soldalibaUfanismo é uma das atitudes que sempre me irritaram. Me faz lembrar os tempos nada saudosos da ditadura, quando o governo militar espalhava slogans como “Brasil: ame-o ou deixe-o” e “Este é um país que vai pra frente”, transformando-os em palavras de ordem. Quem não concordasse passava automaticamente à condição de “suspeito”. Pois é, parece que esses tempos voltaram na era Lula. É algo que vinha me incomodando já há algum tempo, e agora leio reportagem de Marcio Aith na Folha de S.Paulo sobre os anúncios publicitários que exploram esse falso sentimento de orgulho patriótico.

Sob o título “Publicidade-exaltação”, o repórter descreve campanhas de empresas como Ambev, GM, Bradesco e Vale, em que o apelo ao patriotismo é escancarado. Vejam a frase de um anúncio do novo carro da GM: “Há dez anos, quem poderia imaginar a gente emprestando dinheiro para o FMI?” Encontrar a conexão entre isso e o possível valor de um automóvel, cabe à imaginação do leitor (no caso, telespectador – o anúncio foi veiculado na televisão). Há ainda o caso da Embratel, que fez uma campanha publicitária para promover a implantação de internet em escolas e assinou com esta pérola: “Por iniciativa do Ministério das Comunicações, que executa o maior programa de inclusão digital da América Latina”.

As empresas alegam que nada disso significa exploração política da publicidade, mas desconfio que não é bem assim. A Embratel é fornecedora da rede de internet do governo, e a GM vende carros para o governo, só para ficar nesses dois exemplos. Não sei se a Ambev também fornece cerveja para ministérios ou o Palácio do Planalto, mas o certo é que – como sempre ensinaram Julio Ribeiro e Washington Olivetto, mestres da publicidade – essas coisas não se misturam. Por sinal, lembra a matéria da Folha que, anos atrás, o Tribunal de Contas da União condenou a Petrobrás por fazer publicidade em defesa do Plano Real, fugindo totalmente de suas atribuições – no caso, com dinheiro público, a mesma Petrobrás que agora também entrou na dança do ufanismo publicitário.

Só para deixar claro: não sou contra defender o País e enaltecer o que temos de bom. Já comentei isso aqui. O erro está em usar a boa-fé das pessoas para encobrir o que existe de ruim, e que precisa ser corrigido. Em tempo: encontrei no excelente blog A Quinta Onda, de Mauro Segura, uma análise valiosa sobre o atual momento brasileiro e as perspectivas do País para os próximos anos. Num texto intitulado O Brasil Levanta Vôo, Segura se confessa extremamente otimista e alinha vários argumentos para sustentar esse sentimento: o sucesso indiscutível de empresas brasileiras no Exterior (algumas são líderes mundiais em seus setores), a autosuficiência em petróleo (que deve se consolidar com a exploração correta do pré-sal), as reservas de energia limpa e renovável, a ascensão das classes D e E, o pagamento da dívida externa.

Sem dúvida, todos são motivos de orgulho para os brasileiros. Mas não para ufanismo, um sentimento que está muito próximo da arrogância.

3 thoughts on “Ufanismo em terra de cego

  1. Trata-se do antigo e surrado “toma-lá-dá-cá”, o fisiologismo público contaminando a iniciativa “privada”. É óbvio que estas empresas recebem benesses governamentais, decorrentes de contrações milionárias. Nada mais natural que devolver de alguma forma com “gentilezas”. E nós, bobos da corte, aplaudimos de pé. Isso me enoja!

  2. É uma pena pois esse crescimento econômico só é impulsionado pelas milionárias campanhas de marketing. E pior que isso faz com que todos acreditassem e vão ao comércio procurar dividas. Nunca pensei em que um país onde se desestimula o trabalho em prol das Bolsas-Sociais pudesse crescer tanto como diz a mídia. Possuimos um dos piores sistemas educacionais do mundo, uma carga tributária escachapante, corrupção em escala assombrosa e um nível de violência social jamais vista. Como pode um país ter ascensão com todos esses efeitos colaterais graves?

  3. Brasil, país do Ce-Ce. Cerveja e celular. Tendo esses dois, tá ótimo.

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