Volta e meia algum burocrata do governo, ou empresário com segundas intenções, aparece na mídia com a velha ladainha da defesa da “soberania nacional”. Tenho arrepios ao ouvir ou ler essa expressão, que me remete aos nada saudosos tempos da ditadura militar, quando tudo (e mais um pouco) era feito em nome dessa entidade misteriosa. O que é, afinal, soberania nacional? Como discutir esse assunto a sério num país que mantém, praticamente intocada, a célebre Ponte da Amizade, na fronteira com o Paraguai, por onde transitam livremente milhares de contrabandistas todos os dias? E favelas recheadas de armas que entram no país pelos mais variados meios?

Pois bem, está no ar mais uma briga política em torno do conceito de “produto nacional”. É incrível, mas a norma em vigor – expressa na portaria 950 do Ministério de Ciência e Tecnologia, de dezembro de 2006 – define como tal, no caso de artigos de informática e automação, o produto cujas especificações, projetos e desenvolvimentos tenham sido realizados no País, por técnicos de comprovado conhecimento em tais atividades, residentes e domiciliados no Brasil. Ou seja, se um cientista alemão ou japonês projetou, não vale – ainda que tenha sido efetivamente fabricado em território brasileiro…

A lebre foi levantada pela sueca Ericsson, uma das maiores empresas do mundo, impedida de participar de concorrências para fornecer equipamentos ao governo brasileiro. O Ministério das Comunicações quer mudar o texto da lei, pelo seu claro anacronismo, mas o Ministério de Ciência e Tecnologia é contra (os detalhes da disputa estão explicados aqui). O secretário do MCT, Virgilio Almeida, não vê necessidade da mudança, a não ser para definir mais claramente quais as empresas que podem ser consideradas como desenvolvedoras de tecnologia.

Claro que a questão não se resume às compras do governo. Por trás dessa disputa, há um forte lobby de empresários nacionais acostumados a ganhar todas as licitações públicas no setor eletroeletrônico e a pressionar por alterações na legislação conforme seus interesses oportunistas. Chama atenção que em nenhum momento o secretário, ou qualquer outro membro do governo, menciona a questão da qualidade dos produtos. Parece um detalhe secundário. Importante, segundo ele, é gerar patentes nacionais.

Em plena era global, com as empresas criando centros de pesquisa e desenvolvimento em vários países, muitos deles inclusive com técnicos brasileiros, esse tipo de discussão tem o cheiro daquela outra, do primeiro parágrafo. Cheiro de mofo.

 

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