É uma cena cada vez mais comum. Dois amigos, sem se ver há tempos, se reencontram:

– E aí, você não está no Facebook?

– Não.

– Como? Quer se isolar do mundo?

– Não, é que lá só tem exibicionista.

– E daí, deixa pra lá. Deleta. Você não é obrigado a ver tudo que as pessoas falam…

– E tem os recalcados, e os depressivos, os desocupados, estes então, como tem! Tô afim não, tenho mais o que fazer.

– O quê, por exemplo?

– Sei lá, ler, ver TV, ir ao cinema. Até ficar sem fazer nada.

– Que é isso, rapaz? Tem que estar lá, se não, como é que as pessoas vão te achar? E digo mais: tem que ter conta também no Twitter, Linked In, Google+. Vai dizer que você nunca entrou no YouTube?

– Já, achei um saco aquelas imagens fora de foco. Prefiro um filminho no DVD.

– DVD? Você ainda usa isso? Sabia que existe o download?

– Down o quê?

– Download, você escolhe o filme e assiste na hora, de graça. Acabou esse papo de ir na locadora…

– De graça?

– Pois é, e na hora. O filme nem saiu ainda no cinema e já está lá, com legenda e tudo.

– Sério?

– Pôxa, acho que finalmente você está se convencendo.

– Eu? Sei não…

– Olha só, tá aqui no meu tablet. É só clicar e assistir.

– Assistir filme nessa telinha aí? Tô fora!

– Vamos lá, amigão. Conhece o Instagram?

Pois é, diálogo imaginário, mas perfeitamente adequado aos dias que vivemos. Diálogo entre dois radicais: aquele que só enxerga o mundo pelos filtros da tecnologia, e o outro, que descrê de tudo e acha que nas redes só estão os exibicionistas etc. etc. etc. Claro, nunca vão chegar a um acordo. Como um árabe diante de um judeu, ou um tucano com um petista, e vice-versa, cada um só consegue ver o próprio lado, desconhecendo meios-termos, nuances e implicações que estão na gênese de todo relacionamento humano.

Quase todo dia, encontro um dos dois, pessoal ou virtualmente, e confesso que cada vez tenho menos paciência para ouvir seus discursos. Fazem lembrar o que se dizia décadas atrás, que a televisão incentiva a violência, a imoralidade e tantos outros males do mundo atual. Depois, essa “culpa” foi transferida aos videogames, e agora à internet. Quem será o próximo suspeito? O papa? Aliás,  Sua Santidade (não é assim que o chamam, com maiúsculas?) esteve perto de levar a um novo conflito mundial, entre os contra e os a favor de sua renúncia.

Apesar de tanta bobagem dita e escrita em nome de dona web, não vou (pelo menos por enquanto) fazer como minha colega Julia Angwin, que acaba de tomar uma drástica decisão: deletou todos os seus 666 amigos do Facebook! Premiada repórter (e a tual editora de tecnologia) do jornal The Wall Street Journal, Julia tem em seu currículo uma fantástica série de reportagens sobre privacidade online, publicada no ano passado, em que revela detalhes espantosos sobre como o governo e uma série de empresas monitoram, roubam, manipulam e até vendem dados confidenciais de usuários da internet. Julia confessa que sentiu um alívio ao decidir se afastar de tantos amigos virtuais. Vale a pena pensar no texto que escreveu explicando por que o fez:

“Na última segunda-feira, eu tinha 666 amigos no Facebook. Hoje, não tenho nenhum.

Quando entrei no Facebook, gostei de encontrar o professor de matemática que tanto me inspirou, ou a garota que roubou meu namorado na faculdade. Gostava de manter contato com o jornalista paquistanês que certa vez veio me visitar para falar sobre um trabalho escolar.

Mas, com o tempo, o Facebook perdeu minha confiança, ao me impedir de manter em sigilo os nomes de meus amigos. Como jornalista, preciso proteger minhas fontes. E, como ser humano, prefiro não ter alguém escondido que me observa toda vez que tenho contato com algum amigo. 

A princípio, tentei praticar a privacidade discretamente. Aceitei todos os pedidos de amizade (até mesmo de alguns chatos), na esperança de que meus verdadeiros relacionamentos poderiam ser mantidos em privado, entre tantos deles que são falsos. 

Mas me descobri pré-censurando todos os meus comentários, quando tentava escrever para um grupo incrivelmente diversificado de pessoas, que incluía meu chefe, minhas fontes, os pais dos amigos dos meus filhos e até estranhos que conheci do Brasil. Percebi que esse modo de agir havia anulado minha capacidade de ter um relacionamento verdadeiro com qualquer pessoa através do Facebook.

No entanto, ainda não estava totalmente preparada para sair. Ainda queria poder encontrar pessoas e ser encontrada por outras. Então, esta semana decidi deletar todo mundo e manter apenas um perfil básico no Facebook. Foi difícil. Me senti péssima ao tentar deletar um antigo colega de escola e a página do meu próximo encontro de ex-alunos do colégio.

Acabei tendo que pagar a um amigo de verdade para que ele viesse aqui e clicasse no botão “desfazer amizade” por mim. Várias e várias vezes. Demorou sete horas, mas sinto que tirei um enorme peso das costas.

Para aqueles que foram deletados, peço desculpas. Pode parecer estranho, mas na verdade estou tentando proteger nossa capacidade de ter um relacionamento verdadeiro, sem um monte de gente escondida olhando.”

O texto original pode ser lido aqui. Seja como for, dá o que pensar. Ou não?

1 thought on “Amigos, pra quê vos quero?

  1. Eu tenho criado antipatia pelas redes sociais. É claro que elas tem sua utilidade, mas a futilidade predomina. Tenho conta na maioria delas, mas não passo nem meia hora diária, até porque são bloqueadas no serviço (por que será?) e quando chego em casa o pouco tempo que me resta prefiro ficar longe do computador, que uso durante o expediente e em mais de 8 horas todos os dias.

    Eu não deletei nenhum amigo, vez ou outra adiciono uns outros, mas o fato é que, no meu caso, ter ou não eles em minha lista não faz quase diferença, afinal, eu praticamente não uso estes troços.

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