recessionA discussão começou há cerca de cem anos, quando os bolcheviques tomaram o poder na Rússia, mataram o czar e sua família e implantaram o regime comunista, supostamente inspirado nas teorias de Karl Marx. Bem, até aí não estou contando nenhuma novidade. Mas agora, 25 anos após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, a revista inglesa The Economist – para muitos, um baluarte do capitalismo – faz uma interessante revisão desse perene conflito entre os que se dizem “de direita” e “de esquerda”; ou, se preferirem, entre comunismo e capitalismo.

Reproduzo abaixo trechos do artigo, que mostra como os interesses capitalistas também interferem nos países ditos comunistas. Antes, uma breve observação sobre esse dualismo que soa tão arcaico. Nem direitistas nem esquerdistas parecem sentir-se confortáveis em se autonomear como tais; ambos os grupos tomam as respectivas classificações como ofensas. No entanto, usam e abusam dos dois adjetivos quando querem criticar os do outro lado. Assim, “direita” e “esquerda” acabam se tornando pejorativos, quando deveriam ser, suponho, meras classificações. Que, por sinal, nos dias que correm são cada vez mais difíceis de distinguir.

Bem, noto que o tema dá margem a outro artigo, que prometo tentar escrever mais à frente. Por ora, fiquemos com os ingleses, e sua imbatível verve, para explorar os vários aspectos da histórica rivalidade. Bom proveito.

“Enquanto caía o regime de Viktor Yanukovych na Ucrânia, manifestações contra ele podiam ser vistas em frente a One Hyde Park, condomínio de luxo na região oeste de Londres. O alvo dos protestos era Rinat Akhmetov, o homem mais rico da Ucrânia e defensor do antigo regime.

“O conturbado estado ucraniano há tempos é dominado por oligarcas. Mas as relações entre políticos e empresários se espalham pelos países emergentes, como Índia, Turquia, China e Brasil. No dia 5 de março, o presidente chinês Xi Jinping prometeu agir “sem piedade” contra a corrupção. No ano passado, 182 mil funcionários públicos foram punidos, um aumento de 40 mil sobre 2011.

“Como nos Estados Unidos no início do século 20, uma nova classe média está se fortalecendo, em escala global. As pessoas querem políticos que não pensem apenas em seus bolsos, e empresários que disputem os mercados sem favorecimento. Trata-se de uma revolução, para salvar o capitalismo dos capitalistas.

Rent-seeking” é como os economistas chamam um tipo especial de negócio: aquele que só é possível através de bons contatos políticos. Pode variar da pura e simples corrupção à falta de competição, a falhas na legislação e à transferência de patrimônio público para empresas a preço subestimados.

“Pessoas com bons relacionamentos já fizeram fortunas dessa maneira, desde quando os órgãos encarregados da regulação ganharam poderes para emitir licenças e autorizar contratos lucrativos para seus amigos. Nos EUA, esse sistema atingiu seu ápice no final do século 19, levando a um longo esforço contra os barões do empresariado. Leis antitruste atingiram até o monopólio do petróleo, então nas mãos de John D. Rockefeller.

“Nos países emergentes, o último quarto de século foi excelente para os aproveitadores (rent-seekers). O aumento dos preços dos imóveis enriqueceu os incorporadores, que precisam de aprovação para seus projetos. A expansão das commodities inflou o valor das minas e dos campos de petróleo, que invariavelmente passam por algum tipo de controle do Estado. Algumas privatizações descambaram em monopólios. Na China, por exemplo, um terço dos bilionários são membros do Partido.

“O capitalismo baseado na exploração da renda não é apenas injusto, mas também ruim para o crescimento de um país no longo prazo. Recursos são desviados;  estradas precárias frequentemente são obra do compadrio. A concorrência é reprimida. Novas empresas enfrentam barreiras maiores, diante de concorrentes melhor conectados junto aos governos. Esse tipo de capitalismo, quando ligado às finanças da política, é determinante no florescimento da corrupção.

“A revista The Economist montou uma base de indicadores para aferir a extensão do capitalismo de compadrio entre as nações ao longo do tempo. Podem-se identificar setores que são particularmente dependentes dos governos – como mineração, petróleo, gás, bancos e cassinos – e também rastrear, pelos indicadores, a riqueza dos bilionários em relação ao tamanho da economia de cada país. A ideia não é determinar que certos países são mais corruptos do que outros, mas apontar que a escala das fortunas tem a ver com setores mais suscetíveis ao tráfico de influência.

“Os países ricos também sofrem do problema, mas no mundo emergente o poder dos mais ricos é duas vezes mais alto. Ucrânia e Rússia são os dois piores casos – muitas privatizações beneficiaram empresários ligados aos poderosos. E o crescimento da Ásia também permitiu o surgimento de magnatas em setores com forte influência do compadrio político.

“Nota-se que esses relacionamentos suspeitos estão sendo mais vigiados atualmente. Governos que realmente se preocupam com a riqueza de seus países sabem que precisam fazer os mercados funcionarem melhor e fortalecer instituições que os regulem. Brasil, Hong Kong e Índia aumentaram os controles antitruste. O presidente do México, Enrique Peña Nieto, tenta quebrar os carteis da mídia e das telecomunicações. E a China também está atacando seus feudos.

“Uma segunda razão para conter as relações incestuosas entre políticos e empresários é que os incentivos podem estar mudando. A porcentagem de negócios geridos por bilionários do rent-seeking nos países emergentes, que era de 76% em 2008, caiu para 58% hoje. Em parte, essa é uma evolução natural. Conforme se enriquecem, as economias ficam menos dependentes de comodities e infraestrutura.  

“Também é motivo para otimismo o fato de que os incentivos aos políticos estão mudando. O crescimento diminuiu, o que exige reformas no sentido de abrir a economia. Países cujos governos tentam enfrentar esses interesses, caso do México, acabam ganhando a simpatia dos investidores.

“Claro, há muito mais a ser feito. Os governos precisam ser mais assíduos ao regular monopólios, promover a concorrência, punir funcionários corruptos e garantir a transparência dos negócios perante o público. O boom que gerou uma nova espécie de magnata criou também seu nêmesis: uma nova classe média urbana, com melhor nível de educação, que paga impostos e exige mudanças. Isso é algo que os políticos e os autocratas não podem correr o risco de ignorar.”

Clique aqui para ler a íntegra do artigo, no original em inglês.

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