Entre os anos de 2001 e 2015, o governo federal arrecadou cerca de R$ 90 bilhões no setor de telecomunicações (telefonia, internet e TV por assinatura). São os chamados “fundos setoriais”, que as empresas têm de recolher: Fistel (Fundo de Fiscalização dos Serviços de Telecomunicações), Fust (Fundo de Universalização das Telecomunicações) e Funttel (Fundo de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações). Dá cerca de R$ 6 bi por ano. Some-se a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento do Cinema e do Audiovisual), que incide sobre a comercialização de filmes, shows, programas de TV etc. em todas as mídias e que representa algo em torno de R$ 1,2 bilhão por ano. Os números são do site Telesíntese.

A decisão da Justiça Federal de suspender o recolhimento da Condecine está causando no setor uma polêmica que há muito tempo não se via. As operadoras estavam há anos brigando nos tribunais para reduzir essas taxações. A crise econômica, ironicamente, lhes deu a oportunidade: em dezembro, a presidente Dilma assinou medida provisória aumentando a alíquota da Condecine; a gritaria aumentou e foi concedida uma liminar em favor das empresas. Liminar essa que o governo agora tenta derrubar. O debate foi bem explicado pelo colega André Mermelstein, do site Teletime.

Por trás da controvérsia, estão duas velhas questões: a disputa entre Estado e iniciativa privada (simbolizada nos impostos mais altos do planeta) e o financiamento público aos produtores de cinema e vídeo. Com a crise, as empresas perdem faturamento e o governo arrecada menos; ambos, então, lutam por mais recursos, o que é plenamente compreensível – caberá à Justiça decidir quem tem razão.

O problema da Condecine é mais complexo. Não à toa, os ministros da Cultura e das Comunicações vêm procurando conversar mais com as operadoras, como relata o site converge.com. Pelo visto, bateu o desespero diante de dois lobbies tão atuantes. Os produtores não querem abrir mão da Condecine, que foi uma “conquista” deles quando tomaram o poder na Ancine a partir da aprovação da chamada Lei do Cabo (2012). Sob o pretexto de incentivar a produção de conteúdo nacional, distribui-se dinheiro aos “suspeitos de sempre”.

Já os tais R$ 90 bi, que pela lei deveriam ser usados para melhorar a infraestrutura de telecom no país, parece que evaporaram; na prática, foram surrupiados pelo Ministério da Fazenda para cobrir pedaladas e rombos fiscais (apenas 7% desse total foi de fato reinvestido no setor).

Parecem duas coisas diferentes – Condecine e fundos – mas são apenas duas faces da mesmíssima moeda: a privatização do Estado em benefício de grupos seletos. É justo lembrar que essa prática não começou no governo Dilma, mas na década de 80 (Sarney), foi interrompida por Collor, voltou à meia-força com FHC e ganhou peso com Lula. Como bem lembrou o cineasta Hector Babenco, que aliás nunca pediu dinheiro público para seus filmes, a suspensão da Condecine será uma “catástrofe” para esses amigos do poder. Mas talvez faça bem à sociedade brasileira.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *