A palavra “militante” vem do verbo “militar” – do latim militare, derivado de militis, que é como os romanos chamavam seus soldados. Como estes, todo militante se define pela disciplina e obediência a um comandante. E quanto mais disciplinados e obedientes, maiores chances terão na carreira: medalhas, promoções, um emprego público aqui, uma mordomia ali…

Lênin, talvez o maior líder revolucionário da História, costumava chamar os operários e camponeses russos de “soldados”, para fazer contraposição ao sanguinário Exército do czar Nicolau II. Criou a primeira versão moderna de “milícia” (militia: em latim, “a arte da guerra”), grupos armados que já existiam na antiguidade, mas ao longo do século 20 ganharam o sentido de algo fora da lei.

Tudo isso para dizer que militantes político-partidários são aqueles que obedecem quase cegamente. Não importando as razões do chefe, estarão sempre ali, seguindo suas ordens. Citei Lênin de propósito, porque se atribui a ele a adaptação da famosa frase de Maquiavel – “Os fins justificam os meios” – na raiz dos movimentos que levaram à Revolução Russa de 1917. Valia tudo para derrubar o czar.

Não fosse por seus militantes, Lênin não teria chegado nem perto da Praça Vermelha, em Moscou. Como estrategista, não era grande coisa, mas teve o mérito de conquistar a massa literalmente “no grito”, por anos a fio, com voz firme e vibrante (e sem TV nem internet). Contou, claro, com a decadência do regime czarista, que ninguém aguentava mais. Talvez por falar tanto, e tão bem, não percebeu que um colaborador (Stálin) conspirava para tomar o poder, o que acabou se concretizando em 1922, quando Lênin caiu doente (sua morte, dois anos depois, até hoje rende suspeitas).

Mas é justo afirmar que, não fosse por Lênin, aqueles trabalhadores que fizeram a maior revolução do século 20 talvez não chegassem muito longe. É preciso que alguém fale pelos militantes, embora o líder, quase sempre, diga que fala “em nome do povo”. Como se sabe, militantes são apenas uma minoria, cega, embora barulhenta, que exerce o trabalho braçal: carregar cartazes, tomar chuva, repetir palavras de ordem (sempre as mesmas), pendurar retratos do líder nas paredes, essas coisas. Hoje, também ocupam as redes sociais.

Quem estuda a história dos últimos 100 anos percebe que todas as ditaduras tiveram seus militantes e/ou milícias, dispostos a tudo pelo chefe. Mao, Hitler, Franco, Perón, Getulio, Fidel, Khomeini, Chavez… há quem tenha saudade deles. Mas esses grupos não se formam apenas em regimes autoritários. No Brasil democrático, o exemplo mais vivo de militante é o dos petistas renitentes, aqueles que não debandaram após a vergonha que seu líder supremo os fez passar.

Custa a crer que alguém estudou durante anos, com inúmeras chances de compreender a História, e ainda se deixe levar assim, caninamente. Se camponeses e operários humildes costumam cair na conversa de um orador corrupto e inescrupuloso, não há desculpa para intelectuais que o fazem (outra do latim: intelectus, “inteligência”, “entendimento”). O educadíssimo povo alemão paga até hoje os dividendos afetivos de ter apoiado Hitler. E não vamos, por enquanto, falar de Donald Trump, na torcida para que esse seja apenas um hype de temporada.

Na prática, como vem sendo provado, líder e militante se merecem e se necessitam. Um não existiria sem o outro. O que os une não são ideias, mas a própria necessidade de mandar e de obedecer. Na inapetência para discutir e agir democraticamente, o líder dá ordens, entre palavrões, ameaças, mentiras e preconceitos; e os militantes cumprem, pois não conseguem pensar por conta própria.

Quando o líder se for, nada terão para colocar em seu lugar. Talvez não sobrem nem os retratos na parede.

2 thoughts on “Sobre militantes e foras-da-lei

  1. Caramba… Que texto EXCELENTE!…

    Parabens, Orlando… Voce nao precisa disso, mas ganhou mais um ponto no meu (eu, humilde) conceito.

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