No clima de “sanatório geral” em que se transformou a política brasileira, surgiu esta semana um dos movimentos mais esdrúxulos que a história há de registrar: o boicote ao Netflix, em protesto contra o lançamento da série O Mecanismo, de José Padilha. Tão polêmico quanto competente, Padilha ganhou fama com Tropa de Elite 1 e 2 e se tornou estrela internacional com Narcos, que rendeu duas temporadas (uma terceira está a caminho) e um contrato com dinheiro e carta branca para novas produções.

Lançada na última sexta-feira, O Mecanismo é baseada num livro que conta detalhes da Operação Lava Jato, o que por si só já seria controverso. As licenças poéticas tomadas no roteiro enfureceram militantes do PT, que partiram para uma campanha radical na internet propondo o boicote da série. Mais: criaram no Twitter a hashtag CancelaNetflix, devidamente amplificada por blogueiros e até críticos de cinema simpáticos ao partido – um deles escreveu que está “banindo” a Netflix de suas colunas! Aqui, mais detalhes sobre essas reações.

Como quase tudo que cerca o trabalho de Padilha – um contundente crítico dos grandes partidos políticos em entrevistas e colunas de jornal -, a polêmica ajuda a promover a série. Já foi assim nos dois Tropa de Elite, que embora denunciem a corrupção e a violência da polícia chegaram a ser taxados de “fascistas”; e com Narcos, que se baseia num livro para contar parte da vida de Pablo Escobar (o filho do traficante processou Padilha e a Netflix, mas sem resultados práticos). Agora, em entrevistas a O Globo e ao UOL, Padilha deu sua versão sobre a polêmica envolvendo O Mecanismo.

A Netflix já havia sido criativa na época do impeachment, quando usou os fatos políticos brasileiros para promover a 4a. Temporada de House of Cards. A campanha de lançamento de O Mecanismo também foi agressiva, incluindo uma sobrecapa no jornal O Globo que simulava notícias de verdade, o que chegou a iludir alguns leitores. Como a empresa não divulga quantos assinantes possui no Brasil, é impossível saber o impacto dessa campanha; muito menos calcular quantas pessoas de fato cancelaram suas assinaturas devido à polêmica.

A nova produção da Netflix aponta o dedo também para o Judiciário brasileiro, e especificamente para o Supremo Tribunal Federal, e até agora não se viu nenhuma manifestação dos magistrados. Sob temperatura muito acima do normal para debates políticos, qualquer comentário hoje pode ser usado como pretexto para agressões, ou para campanhas idiotas como essa, cujo fim é se transformar em piada. Faz lembrar a atitude de internautas que pediram boicote aos discos de Chico Buarque quando o compositor deu declarações a favor de Dilma Roussef. 

E só confirma que a estupidez não tem ideologia!

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