Programas de governo são, quase sempre, um campo de areia movediça. É preciso cuidado redobrado para não escorregar em promessas fora da realidade, ou mesmo demagógicas. Em geral, trazem um imenso diagnóstico dos problemas existentes e, junto, uma quantidade de soluções que nenhum governo, nenhum mesmo, é capaz de colocar em prática. Voa-se alto nesses planos, e como!

O da candidata Marina Silva, hoje a favorita para ocupar o Palácio do Planalto a partir de 2015, foi divulgado nesta quinta-feira. Tem ao todo 240 páginas, das quais 14 são dedicadas à política para ciência e tecnologia. Essa é uma área onde, a meu ver, o país está patinando há cerca de 15 anos, justamente o período em que o planeta vem experimentando o mais rápido processo histórico de revolução tecnológica e das comunicações.

Comparado aos programas de Dilma e Aécio, porém, é fácil perceber que há pessoas com Marina que enxergam luzes dentro desse túnel. A primeira luz é admitir que tudo começa na educação de base. Como já cansaram de dizer e escrever grandes educadores (de Paulo Freire a Cristóvão Buarque, de Milton Santos a Gustavo Ioschpe), nenhuma política de desenvolvimento dá resultado se não houver investimento maciço, contínuo e monitorado na formação de crianças e adolescentes.

A segunda luz acesa no programa de Marina é a ideia de utilizar as tecnologias digitais para dar maior transparência ao governo e à administração pública, ampliando as formas de fiscalização por parte da sociedade. Num país onde o cidadão é desrespeitado impunemente a todo momento, um governo que queira realmente servir a população (e não servir-se dela) tem que ser aberto e franco, inclusive na hora de dizer não. As diversas tecnologias de comunicação hoje disponíveis tornam esse processo muito mais fácil de implantar, eliminando (ou pelo menos minimizando) as ações dos intermediários que se alimentam da corrupção em suas diversas modalidades.

A candidata acena também com novas práticas num setor em que o atual governo foi pródigo: o aparelhamento dos órgãos públicos para fins políticos. O melhor exemplo está nas agências reguladoras, que a partir do governo Lula foram descaradamente transformadas em enormes cabides de emprego para o PT e seus partidos aliados. O programa de Marina define as agências como “órgãos de fiscalização que agem em nome da sociedade… visando à preservação dos direitos dos consumidores e à garantia de um ambiente propício aos investimentos… para melhorar a qualidade na prestação de bens e serviços”. Nada mais claro.

Evidentemente, promessas como “transformar a conexão à internet em serviço essencial (como eletricidade e água)” não dependem de uma canetada da presidente da República. Assim como a constatação de que “o acesso aos telefones celulares ajuda no processo de alfabetização… pelo uso intensivo da leitura e escrita de mensagens… textos informativos e livros inteiros nas telas portáteis”, embora seja uma boa frase de efeito, esbarra na penúria estrutural do país.

No entanto, é possível ser otimista. Os diagnósticos estão corretos e parece haver boas intenções para combatê-los. O problema é que, como já vimos tantas vezes, o monstro da política costuma devorar os bem intencionados.

Para quem ainda não viu, a íntegra do programa de governo de Marina Silva está aqui: http://marinasilva.org.br/programa/

Em tempo: não comentei aqui os programas de Dilma e Aécio para o setor de tecnologia porque não encontrei neles nada que já não tenhamos visto nos últimos anos, com os resultados conhecidos.

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