Gigantes da tecnologia se tornam perdedores

Por Carlos Alberto Teixeira e Rennan Setti*

O que leva empresas tecnológicas que já foram gigantes no mercado a entrar em processo de declínio? Pelos mais variados motivos — que vão da falta de agilidade e incapacidade de reação num setor extremamente dinâmico a casos de corrupção corporativa —, companhias como Kodak, Nokia, Olympus, RIM, HP, Sony, Yahoo!, entre outras, perderam o bonde no cenário atual, com redução em participação no mercado, queda nos lucros, fechamento de fábricas, milhares de demissões e até concordata. Em comum, as tecnoperdedoras têm fortes concorrentes, com destaque para Google e Apple.

Para Daniel Schwabe, professor titular do departamento de informática da PUC-Rio e Ph.D em Ciência da Computação, o fato de existirem empresas perdedoras é uma consequência natural do ambiente competitivo do mercado de tecnologia, em que os ciclos de criação de produtos são demasiado curtos e não há a inércia das indústrias convencionais, em que se lida com produtos físicos.

— Em qualquer mercado, o fracasso de empresas, seja total ou parcial, é um fenômeno comum. Só que na era digital e, depois do advento da internet, essas ocorrências se aceleraram e passaram a ter uma visibilidade maior do que antes. Isso porque a informação flui muito mais facilmente até a opinião pública — explica.
Schwabe identifica como traço comum entre empresas que fracassam no mercado tech uma insensibilidade ou incapacidade de saber o que o mercado realmente quer.

— Outro fator determinante desse ocaso é que, na realidade dinâmica desses tempos de internet e high-tech, é comum surgirem mais ou menos repentinamente novas tecnologias que mudam de modo radical o ambiente e as condições do mercado — esclarece. — Aquele ator que estava numa posição de conforto, desfrutando até de um monopólio num nicho, pode se ver em pouco tempo imerso em um novo ambiente em que não possui mais aquelas vantagens de antes.

— O que essas empresas têm em comum é uma péssima gestão de inovação. Aquisições atribuladas e mudança constante de executivos são sintomas disso — afirma Denise Fleck, professora da Coppead/UFRJ na área de estratégia e organizações.

Cortes na Nokia podem atingir 30 mil

Potência-mor na história da fotografia, a Kodak parece ser um desses exemplos. A companhia, fundada em 1889, pediu ao governo americano proteção contra falência (espécie de concordata) em janeiro deste ano. Não suportou a concorrência e anunciou que deixará de produzir câmeras digitais.

— O principal erro da Kodak foi não ter percebido que fotografia, em sua essência, é o registro do momento. Ela ficou presa ao objeto, ao filme de papel, e não fez mudanças mais amplas — diz Klaus Deneck-Rabello, professor de comunicação e marketing digital da ESPM-RJ.

Igualmente tradicionais, a HP ( 1939) e a Nokia (1960) também se viram espremidas pelos concorrentes. Na semana passada, a HP anunciou que teve perdas de 44% em seu lucro no quarto trimestre de 2011. A empresa, com seu sistema operacional móvel WebOS, criado pela Palm em 2009, deu com os burros n’água, num mercado dominado pelo iOS e Android. Numa tentativa de se reerguer, em agosto do ano passado, anunciou que venderia sua divisão de PCs. E jogou a toalha ao abrir o código do WebOS. Desde janeiro de 2011, perdeu cerca de 40% de seu valor de mercado.

— A compra da Compaq (em 2002) me espantou muito porque, anos antes, a própria Compaq havia comprado a Digital, que estava mal das pernas. Quando uma aquisição desse porte é feita, consome-se muita energia para digeri-la — ressalta Denise. — Acho que a empresa está perdida. Onde está a causa que move a HP? Mais dinheiro em Pesquisa e Desenvolvimento agora não basta, pois o problema é de gestão.

A fabricante de celulares Nokia vem fazendo milhares de demissões em suas unidades, inclusive na Finlândia (sua terra natal). Os cortes planejados chegam a 30 mil. A empresa tenta transferir a produção para a Ásia, onde a mão de obra é mais barata, na tentativa de cortar custos. Em setembro, anunciou o fechamento da unidade na Romênia. No fim de janeiro, registrou queda de 73% nos lucros do quarto trimestre de 2011, depois que as vendas de seus novos celulares com o sistema Windows Phone não conseguiram ganhar espaço frente ao domínio do iPhone. A Nokia, que desde 2011 perdeu mais de 40% do valor de mercado, sufocou seus sistemas Symbian e MeeGo em favor do Windows Phone.

Entrevistado pelo GLOBO numa sala do Quora, Andrew Choi, analista de investimentos da Beaujolais, em Toronto, no Canadá, cita a inércia pós-sucesso como um fator de fracasso:

— Há empresas que já foram incrivelmente bem sucedidas, mas que declinaram, como RIM (a canadense Research In Motion) e Yahoo! As razões variam. Mas uma característica comum é que, ironica e inesperadamente, sofreram com a mudança do ambiente de negócios no seu entorno. Empresas têm sucesso e desenvolvem uma inércia por vários motivos, incluindo cultura, dependência em receita/margem de lucro, fixação em um grupo de clientes ou em aspectos específicos do produto. Com isso, quando o ambiente muda, elas não se adaptam.

A RIM, que já foi líder disparada em mobilidade corporativa com seu glorioso e onipresente Blackberry, vem encolhendo em participação de mercado, com um sistema “fechado” competindo em um ambiente onde o desejo dos usuários se volta para a interação, atributo valorizado tanto no iPhone como em smartphones Android. Desde janeiro de 2011, a RIM perdeu mais de 70% de seu valor de mercado. Foram US$ 70 bilhões desde 2008.

— A RIM falhou ao não entender que o mercado corporativo, além de produtividade, quer facilidade, que o iPhone entrega. Depois do iPhone, a empresa também falhou ao desprezar o aspecto lúdico da touchscreen — cita Deneck-Rabello.

A Yahoo!, símbolo na época da bolha das pontocom, se viu eclipsada pela Google e não acompanhou os novos recursos de busca desenvolvidos pela concorrente. E a rival desenvolveu um sistema de pagamento e posicionamento de anúncios difícil de bater. Desde janeiro de 2011, a Yahoo! viu seu valor de mercado cair 14,86%.

Questão cultural pode atrapalhar empresa

Questões culturais e externas também são capazes de minar impérios. A Sony, ícone inconteste da eletrônica de consumo, ficou presa ao “passado físico” e, apesar de ter toda a tecnologia e recursos disponíveis, não soube avançar nos dispositivos móveis, como tocadores de MP3 e tablets. Tentou se associar a Ericsson para morder uma fatia da mobilidade, mas ainda tem a imagem ligada à velha guarda tecnológica.

Fortalecida frente à Kodak, a Olympus, no entanto, foi minada pela corrupção. Em abril de 2011, foi revelado um escândalo contábil que corroeu 75% do seu valor de mercado, culminando, agora em fevereiro, com a prisão de sete ex-graduados executivos ligados à companhia.

*Artigo publicado em O Globo em 04/03/2012