Rede de mentiras cresce em velocidade digital

Por Noam Cohen*

“Enquanto a verdade está apenas

calçando os sapatos, a mentira

já deu a volta ao mundo”

atribuído a MARK TWAIN, escritor americano

Em 1864, quando os boatos ainda viajavam a pé, um jovem mensageiro entrou nas redações dos jornais de Nova York com um boletim da agência Associated Press: o presidente Lincoln havia ordenado a convocação de 400 mil soldados para a Guerra. A notícia chegou numa péssima hora, duas da madrugada, quando os editores já tinham ido embora. Sobrou então para os plantonistas decidirem se deveriam publicar rapidamente, ou correr o risco de levar um furo no dia seguinte. Dois jornais morderam a isca e caíram naquilo que, logo se veio a saber, não passava de boato.

Mas a notícia chegou em hora ruim também para o país: a convocação de reservistas significaria que o exército da União estava em dificuldades, e a cotação do ouro disparou. Dois jornalistas do Brooklyn haviam bolado o plano, sabendo como plantar notícias nas redações, e lembrando-se de comprar ouro antes (logo foram descobertos).

Os mercados existem para converter informações valiosas em lucros. E, em seu profundo agnosticismo, existem também para permitir que informações falsas gerem lucros rapidamente. Nesse curto espaço de tempo, a informação falsa pode mesmo ser mais fácil de explorar – chega na hora certa e serve como resposta a dúvidas que estão na cabeça de todo mundo. E, se na época da Guerra Civil Americana a boataria precisava de ferramentas cruéis, as falsidades espalhadas hoje pela internet podem ser exploradas e amplificadas de modo muito mais rápido.

Nos últimos meses, uma série de reportagens falsas ganharam credibilidade pelo mundo afora, enquanto a verdade continua caminhando a passos lentos. No início de outubro, as ações da Apple caíram 5% após a divulgação no site iReport.com de uma informação falsa fornecida por um leitor, de que Steve Jobs havia sido levado às pressas a um hospital. O site é dedicado ao chamado “jornalismo cidadão”, e mantido pela CNN, e como se sabe a saúde de Jobs vem sendo motivo de preocupação pública. O comentário postado ali ainda é um mistério, e houve até uma investigação da Securities and Exchange Commission (equivalente da CVM brasileira), em cooperação com a própria CNN.

Em setembro, a United Airlines perdeu mais de US$ 1 bilhão em ações quando investidores espalharam uma notícia velha de seis anos (a de que a empresa iria pedir falência) como se fosse uma novidade. Na política, é comum os rumores navegarem por sites como Drudge Report, forçando apressados desmentidos e ganhando espaço na opinião pública. Embora não envolva o mercado acionário, outro exemplo tirado do Drudge Report ilustra bem a maneira como hoje as notícias falsas se espalham – levando consigo muitas reputações. No dia 5 de setembro, o site divulgou esta informação “exclusiva”: “Oprah se nega a entrevistar Sarah Palin”, referindo-se à então candidata a vice-presidente dos EUA.

A apresentadora Oprah Winfrey, naquele mesmo dia, soltou comunicado negando a reportagem. Mas já era tarde. Antes, o âncora Tom Brokaw, da NBC, ao entrevistar Joe Biden, candidato a vice na chapa de Barack Obama, perguntou: “O senhor acha que algumas pessoas podem achar que essa é uma posição elitista, e que de certa forma os democratas podem estar com medo de Sarah Palin?”

Com sua avalanche de informação, a internet está recheada de falsidades. Mas, de fato, esses casos recentes mostram como é crítica a postura de sites como Drudge, Google News e Digg, na ânsia de trazer a público notícias de bastidores e amplificá-las. O caso do ireport.com, criado pela CNN em fevereiro de 2008, é impressionante. A ideia era criar um espaco livre para manifestacões de leitores – cerca de 10.000 por mês – que antes eram atendidos por integrantes da equipe da própria rede de TV. Não é um site onde se vá buscar dicas sobre investimentos e ações, mas o boato sobre Steve Jobs ganhou repercussão graças a sites como Digg.com, que são do tipo “jornalismo colaborativo”.

Ao negar responsabilidade, alegando que o tema nunca chegou à página principal do Digg, o editor-chefe do site, Jay Adelson, admitiu o hábito de publicar notícias que depois se revelavam falsas. “Existe uma espécie de mentalidade vendedora na blogosfera”, disse Adelson. “Permitimos a qualquer pessoa publicar textos em nosso site, e deixamos que a democracia digital faça as devidas checagens. Isso sempre envolve algum risco”.

Embora somente uns 150 posts de leitores sejam publicados por dia, Adelson diz que as ferramentas para distribuir uma notícia interessante podem gerar uma espécie de “efeito cascata”, pois os jovens “consomem por cliques”. Mas ele argumenta que a transparência seria a maneira de combater a multiplicação da boataria na internet. A pessoa que enviou a notícia sobre Steve Jobs tinha um login totalmente impessoal: “joshua’s iphone”. E Adelson reconhece que esse internauta não tinha lá um histórico recomendável: seu primeiro post havia chegado em julho, nenhuma de suas notícias jamais havia entrado na página principal, e a primeira que causou alguma repercussão foi justamente essa, sobre a saúde de Steve Jobs. “Esses assuntos interessam ao cidadão digital”, diz o editor.

Confiar na comunidade e na transparência de fato é um método. Adelson conta que o Google News tenta garantir a confiabilidade das informações vetando as fontes de onde elas foram extraídas. Já sites experimentais como newstrust.net buscam criar sistemas de avaliação a partir da opinião de especialistas, que têm seus critérios, e que avaliam o próprio site. Por sinal, um de meus artigos foi vetado por quatro desses resenhistas, embora tenha recebido nota 4 em termos de precisão (a nota máxima sendo 5).

Fabrice Florin, fundador do newstrust, acha que sites como o seu são fundamentais para impedir a imprecisao, mas admite que não conseguiria fazer isso em menos de uma hora, o tempo médio que uma notícia como essas demora para causar estragos. Na sua visão, três revisores “confiáveis” seriam suficientes para garantir a credibilidade das notícias.

A esperança a longo prazo, diz Florin, é que o público seja treinado na leitura de notícias pela web, o que vem a ser uma das missões do newstrust. “Nossos pequenos cérebros não conseguem dar conta de tanta informação”, explica ele.

*Artigo publicado no The New York Times em 13/10/2008