Será que a tecnologia pode salvar a economia?

Por David Rotman* 

Qualquer que seja a referência, 100 bilhões de dólares é uma soma impressionante. Pois é isso que o governo Obama está destinando à pesquisa, desenvolvimento e implantação de diversas tecnologias nos EUA.

Cerca de US$ 20 bilhões irão financiar o uso crescente de arquivos médicos eletrônicos, enquanto US$ 7,2 bi serão usados para ampliar as redes de banda larga. Mais incrível ainda: aproximadamente US$ 60 bi serão gastos em energia, incluindo programas de redução do consumo e até empréstimos para a construção de fábricas que usem biocombustíveis e energia solar.

Esse investimento todo não tem precedentes, não apenas pelo volume de dinheiro, mas também para variedade de tecnologias. Os projetos incluem US$ 11 bilhões para modernizar as linhas de transmissão de eletricidade, introduzindo o chamado smart grid, novo sistema de gerenciamento das redes que administra o fornecimento de acordo com as necessidades de cada área; centenas de milhões de dólares para programas de biomassa e energia geotérmica e mais alguns bilhões (em créditos e isenções fiscais) para energias renováveis, como solar e eólica.

A idéia do presidente Obama e de seus assessores é, num primeiro momento, estimular a economia e, a longo prazo, usar as inovações tecnológicas para criar um regime de crescimento sustentável. Criar “empregos verdes” e uma “economia com energia limpa” são duas expressões muitos ouvidas atualmente dentro dos órgãos governamentais.

A decisão é audaciosa, diz o professor Robert Pollin, da Universidade de Massachusetts. Segundo ele, o plano pode gerar 2 milhões de novos empregos nos próximos dois anos. “E há ainda um benefício adicional”, explica ele. “Podemos usar esse investimento para combater o aquecimento global, coisa impensável no governo anterior”.

Mas, será que o plano é realista? Grandes saltos tecnológicos têm mesmo o poder de expandir a economia? E será que os novos investimentos do governo irão incentivar o uso de novas tecnologias? A maioria dos economistas concorda que o progresso tecnológico ajuda o crescimento econômico. Daniel Kammen, pesquisador da Universidade da Califórnia, estima que investimento em energias renováveis podem gerar de três a cinco vezes mais empregos do que se os mesmos valores forem aplicados em combustíveis fósseis. “A eficiência energética, e em particular a energia solar, já provaram ser campeãs em geração de empregos”, explica Kammen. “E o investimento em pesquisa energética irá até reduzir o custo das energias que já estão no mercado”.

Mas há também especialistas que consideram o novo pacote Obama ambíguo, vago e pouco estimulante. “Trata-se de uma dura intervenção na economia”, diz Robert Stavins, diretor do programa ambiental da Universidade Harvard. Ele critica, por exemplo, a idéia do smart grid, que na sua opinião terá pouco impacto imediato sobre os empregos. “Tornar a infraestrutura mais verde é muito simpático, mas não vai acontecer assim tão rápido”.

Outra crítica que se ouve entre os experts é a de que o plano pode até ser prejudicial às mesmas tecnologias que pretende incentivar. Como foi feito às pressas, diante da atual crise econômica, alguns dizem que não haverá dinheiro para tudo que se propõe. Exemplo: implantar redes de fibra óptica nas comunidades rurais pode custar muito mais do que o programa prevê. E instalar transmissores solares e eólicos pode não resolver a questão de que o custo desse tipo de energia continua sendo bem mais alto do que as convencionais.

De qualquer modo, o plano não saiu exatamente das cabeças dos homens de Obama. Robert Atkinson, presidente da ITIF (Information Technology and Innovation Foundation), entidade sem fins lucrativos que defende políticas públicas para o uso da tecnologia, parece pouco feliz pelo fato de que o plano do governo utiliza muitas das suas idéias, sem dar o devido crédito.

Num relatório divulgado em janeiro, a ITIF estimou que seriam gerados cerca de 1 milhão de empregos com o investimento de US$ 30 bilhões em banda larga, sistema eletrônico de informações médicas e a tecnologia smart grid. Outras entidades também fizeram projeções no mesmo sentido, mas as justificativas teóricas para um pacote dessas proporções vêm de bem mais longe.

Foi o grande economista John Maynard Keynes que, durante a Grande Depressão, na década de 30, sugeriu que o governo britânico, para ajudar na criação de empregos, enterrasse milhões de garrafas cheias de dinheiro em minas de carvão, para que as pessoas cavassem. Esse é o conceito por trás das idéias da ITIF, diz Atkinson: “A mensagem da inovação pela tecnologia é keynesiana por natureza. É como se enterrássemos garrafas cheias de energia solar”.

Atkinson não aceita as críticas ao programa de incentivo à tecnologia por só terem efeito a longo prazo. “Essa é a nossa chance”, argumenta. “É quase como dar dinheiro de graça”, comenta sobre o pacote de Obama. “Quem criticia é aquele tipo de pessoa que não consegue andar e mascar chiclete ao mesmo tempo”.

De fato, a mistura das duas coisas – criação imediata de postos de trabalho e crescimento econômico a partir das tecnologias de informação e de energia – é uma iniciativa polêmica. “Esse projeto pode se transformar num desestímulo à inovação”, defende Paul Romer, da Universidade Stanford. “Todo mundo vai querer pegar uma parte desse dinheiro, que será oferecido de uma forma muito fácil”.

Uma área em que o pacote governamental parece ter pouca aprovação é a de banda larga. Pesquisa recente do IALP (Internet and American Life Project) indica que pouco menos de metade dos adultos nos EUA sentem faltam de uma conexão rápida. Muitos simplesmente dizem que não precisam dela, ou não querem por ser muito cara. E somente 4,5% a desejam (cerca de 5,2 milhões das residências). O problema é que estão em áreas isoladas, onde o custo de levar as redes é extremamente alto. Enquanto numa área urbana esse custo é estimado em 150 dólares, para uma região remota ele pode passar dos 1.000 dólares.

“Quem mais vai ganhar serão as operadoras e os fabricantes de equipamentos, além da Google e da Amazon”, ironiza Shane Greenstein, professor da Kellog´s School of Management. “Para quem vive nesses lugares, a diferença entre uma conexão de banda larga e uma linha discada não chega a ser grande”.

Naturalmente, os defensores do plano contestam. Dizem que as pequenas comunidades do interior terão maiores oportunidades educacionais com as novas redes, além de melhor acesso a serviços do governo e até mesmo mais serviços médicos através de conexões online. Greenstein acha que seria mais produtivo investir em redes sem fio para atingir essas populações.  

* Publicado na Technology Review em 08/06/09