Tablet da Apple pode mudar as regras do jogo

Por Marc Graser*

Houve tanta badalação em torno do novo iPad que alguns chegaram a chamá-lo Jesus Tablet (“o tablet de Jesus”). O que a Apple apresentou na semana passada não foi a reaparição do Senhor, mas algo que dá a Hollywood a oportunidade de comemorar. Numa época em que cada vez mais pessoas estão buscando entretenimento portátil, o iPad oferece aos estúdios e redes de televisão uma nova e atraente plataforma de distribuição de filmes, shows, seriados de TV, música, games e diversos outros conteúdos – e com isso aumentar seus lucros.

Hoje, Hollywood não está em condições de desprezar ou ignorar o iPad. Steve Jobs reinventou a forma como os consumidores ouvem música ao lançar o iPod; depois, fez o mesmo com filmes e séries de TV, através da loja iTunes e do iPhone. Levou as pessoas a abrir suas carteiras e se acostumar a pagar pelos downloads, numa época em que a pirataria parecia prestes a conquistar Hollywood.

E Jobs não parece disposto a deixar que ninguém se esqueça dessas suas façanhas. Ao apresentar o iPad, ele se orgulhou de já ter vendido 250 milhões de iPods e de 75 milhões de iPhones. Disse ainda que a iTunes e a App Store já possuem o cadastro de 125 milhões de pessoas que compraram ou baixaram algum conteúdo. E confirmou que, somente nos últimos 18 meses, nada menos do que 3 bilhões de aplicativos já foram baixados de sua loja online.

Com tamanho sucesso, Jobs até tem o direito de se mostrar orgulhoso. Mas nem era essa sua intenção: ele quis deixar claro que não será necessário um tempo de adaptação para os usuários do iPad; estes já sabem como usá-lo. “A Apple é a maior empresa de aparelhos móveis do mundo hoje”, disse ele. “É o que sabemos fazer melhor”. Este é seu maior trunfo para transformar o iPad numa nova plataforma de distribuição de conteúdos e revolucionar a indústria de mídia.

No desenvolvimento do produto – cuja bateria dura impressionantes 10 horas e pode manter sua carga em standby por até um mês – Jobs disse que o aparelho precisaria executar, com eficiência, as funções de navegar pela web, enviar e receber e-mails, exibir fotos e vídeos (inclusive em HD), tocar música, jogar games e ler e-books. “Todos nós hoje usamos laptops e smartphones. A questão é saber se existe espaço para uma terceira categoria de produto. Achamos que os netbooks não são bons em coisa alguma, são apenas laptops baratos. Pensamos que agora temos algo melhor”.

Inicialmente, o iPad será usado para combater o Kindle, da Amazon, e ganhar uma boa fatia do segmento de e-readers, em que cerca de 40 modelos devem ser lançados este ano. Sua estratégia é oferecer uma alternativa para que as editoras de jornais e de revistas aumentem suas receitas. The New York Times, The Wall Street Journal e títulos da Condé Nast devem ser oferecidos aos usuários do iPad. “A Amazon fez um excelente trabalho como pioneira dessa funcionalidade com o Kindle”, admite Jobs. “Vamos ficar em cima deles e tentar avançar um pouco além”.

A Apple já tem acordos com cinco grandes editoras: Penguin, Harper Collins, Simon & Schuster, MacMillan e Hachette, atraída por sua política de preços mais flexível. Enquanto a Amazon cobra 10 dólares por um e-book, a Apple pretende oferecer, por exemplo, o livro de memórias do senador Ted Kennedy (“True Compass”) por 15 dólares. Nada disso, porém, deve afetar a Amazon no longo prazo. A portabilidade e simplicidade do Kindle parecem ser exatamente o que os usuários de e-readers desejam.

De qualquer modo, a combinação de aplicativos como o NY Times com o software iBooks coloca a Apple na posição de poder fazer pela mídia impressa o mesmo que fez com a indústria da música, quando lançou o iPod e a loja iTunes: dominar o setor com um sistema simples e confiável, pelo qual os consumidores se disponham a pagar. Evidentemente, isso não salvou as gravadoras de disco, mas fez a Apple ganhar uma montanha de dinheiro.

A empresa de Steve Jobs também vê o iPad como uma ótima oportunidade para entrar no ramo de videogames, onde historicamente sempre foi fraca. Num dos games exibidos, “Need for Speed”, da Electronic Arts, um carro de corrida é controlado pelo jogador segurando o iPad como se fosse a direção. Desenvolvedores de jogos estão sendo convidados a encarar a tela touchscreen como um novo dispositivo, que não requer controle manual nem joystick.

Mas o que mais irá impressionar Hollywood é a quantidade de filmes e programas de TV que o iPad possa vender. Em sua apresentação, Jobs usou trechos de “Star Trek” e “Up – Altas Aventuras” como exemplos da qualidade de vídeo do aparelho. Fala-se até que ele tem planos de criar um sistema de assinaturas em parceria com redes de TV para os usuários do iPad. O tempo dirá se é isso mesmo que os consumidores querem – e se estão dispostos a pagar por ele.

*Publicado no Variety em 28/01/2009