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A função das TVs públicas

A cena política brasileira está hoje, talvez mais do que em qualquer outro momento da História recente, propícia a uma espécie de “novo maniqueísmo”. A disputa eleitoral de outubro – basicamente entre PT e PSDB – parece servir como pano de fundo a todo tipo de discussão, mesmo aquelas que, a princípio, não têm (ou não deveriam ter) implicações políticas. Quando o governo Lula decidiu criar a TV Brasil, a maior parte das opiniões carregava esse viés (palavra da moda); o mesmo ocorreu nos debates em torno do Plano Nacional dos Direitos Humanos, que acaba de ser reformado pelo presidente; e ocorre também na questão da troca de comando da Fundação Padre Anchieta (FPA), responsável pela TV Cultura-SP. São apenas três exemplos.

Para ficar somente nos assuntos que têm a ver com a área de tecnologia, TV Brasil (hoje administrada por integrantes do PT, nomeados pelo governo federal) e TV Cultura (sob controle do PSDB, via governo do Estado de São Paulo) ilustram bem a leviandade desse debate. Parece impossível enxergar simultaneamente pontos positivos e também negativos numa ou noutra emissora: ou se é totalmente contra, ou totalmente a favor. E quem é contra uma não tem, jamais, o direito de ser contra a outra, e vice-versa. Bem ao estilo tacanho da política que se faz no País. E que, para sermos justos, deve muito à postura de Lula, para quem tudo de ruim que existe foi feito antes de 2003, e tudo de positivo aconteceu nos últimos sete anos.

Há uma visível má-vontade da mídia em geral contra a TV Brasil, desde que o projeto foi anunciado, porque sempre se soube que a intenção não era criar uma emissora pública, mas sim uma TV estatal. Qual a diferença entre os dois conceitos? Públicas são, por exemplo, a BBC da Inglaterra e a PBS dos EUA, mantidas com fundos governamentais, mas totalmente independentes de quem está no poder. Agora mesmo, vimos na BBC a melhor cobertura das eleições britânicas, tão isenta quanto possível, sem pender para nenhum dos lados. Aqui, veremos o que acontecerá até outubro: já se sabe que Serra é contra a forma como é gerenciada a TV Brasil e, portanto, não é preciso pensar muito para saber qual candidato a emissora irá apoiar.

No caso da TV Cultura, já houve também denúncias de manipulação em diversos governos, inclusive os do PSDB. Há até a suspeita de que a nomeação de João Sayad para presidir da FPA seja para favorecer as candidaturas do partido no Estado (e a de Serra à presidência). Também veremos isso ao longo dos próximos meses (Sayad, que já foi secretário da ex-prefeita Marta Suplicy, nega veementemente: leia aqui). Mas o mais importante, me parece, é que nos dois casos o verdadeiro conceito de TV pública sai arranhado.

Num regime democrático, uma emissora mantida pelo governo (qualquer governo) deve antes de mais nada servir à comunidade, que a sustenta via impostos e tributos. Portanto, seus dirigentes não podem ser nomeados pelo governante de plantão, seja ele presidente ou governador. Do ponto de vista do interesse público, o correto é que exista um conselho, formado por representantes da sociedade – sem remuneração – e cujos nomes sejam aprovados pelo poder legislativo; a esse conselho cabe indicar os diretores, estes sim remunerados para garantir que a emissora atenda, de fato, às necessidades da população. Que são: informação, educação, cultura, entretenimento, prestação de serviço, campanhas de esclarecimento etc. Simples assim.

Bem, esse assunto merece mais. Voltaremos a discuti-lo aqui em breve. E o leitor, o que pensa a respeito?

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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