Esta semana, mais uma vez o presidente Bolsonaro falou em extinguir a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) – aliás, uma de suas promessas de campanha. “Está decidida essa questão”, anunciou, revelando que o assunto está nas mãos da Secretaria de Privatizações. De fato, em meio à maior recessão da história, manter uma estatal com cerca de 1.800 funcionários e que gera (dados do Ministério da Economia) R$ 1 bilhão de prejuízo ao ano parece insano.

Em países desenvolvidos, é comum existir uma TV pública, mantida pelo Estado. Não são serviços sujeitos à concorrência comercial, e parâmetros como faturamento e audiência são quase sempre deixados em segundo plano. Mas há, em geral, a preocupação de monitorá-los para preservar princípios como promover educação e cultura, atender populações menos favorecidas e combater preconceitos. Também não se confundem com políticas de governo. Já os regimes autoritários também sustentam serviços estatais de rádio e TV, mas com objetivos propagandísticos, como se vê em países como China, Rússia e vários do Oriente Médio. Neste link, há um bom resumo de como funcionam as TVs públicas pelo mundo.

No Brasil, como sabemos, está tudo junto e misturado. Dependendo do governo de plantão, serviços públicos de comunicação são usados para atingir esta ou aquela meta de dominação. Nos tempos pré-televisão, a Rádio Nacional, criada pelo Estado Novo, cumpria esse papel – é possível especular que, não fosse por ela, Getulio Vargas não teria se transformado no político mais influente do século 20.

Quando os militares tomaram o poder, em 1964, trataram com carinho desse departamento. Nesse período, ganhou força o Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações), equivalente da época à atual Anatel, só que com poderes pra lá de discricionários. Pior: já tínhamos a televisão, conduzida sob os mesmos métodos. Com a Constituição de 1988, veio a ideia de “democratizar” os meios de comunicação com dinheiro do Estado. O governo FHC, ao fortalecer a Anatel, tentou profissionalizar a administração do sistema Radiobrás; Lula, em 2008, criou a EBC e – com ela – grande parte das distorções que temos visto.

Nenhum desses governos, no entanto, foi capaz de apresentar um plano com começo, meio e fim para implantar um verdadeiro sistema de comunicação pública no país. Claro, sofreram pressões políticas e empresariais de todo tipo, notórias em duas aberrações tupiniquins: não se materializou aqui a proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação; e, para piorar, grande parte dos parlamentares detém controle sobre grupos de mídia, distorção que dispensa comentários. A propósito, vejam este artigo de um grande especialista.

Na prática, todos são contra a ideia de uma TV pública forte. E a sociedade como um todo sequer discute se essa ideia é de seu interesse. Aliás, uma boa análise a respeito está neste artigo. Nesse ritmo, é bem provável que a EBC seja simplesmente extinta, como quer Bolsonaro, para ser recriada daqui a quatro anos (com outro nome) se tivermos um presidente com mentalidade diferente. 

2 thoughts on “Guerra cultural vai matar a EBC

  1. Excelente análise. Não obstante o caráter extremamente necessário
    das reformas, bem como o fim da era do toma lá dá cá, as áreas de cultura e ecologia estão sendo implodidas pelo governo Bolsonaro. Alguém tem que mostrar às equipes e ao próprio, que nem tudo é ideologia de esquerda.

  2. A proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação é uma ideia ruim, absurda e obsoleta,que impede o fortalecimento de empresas e a inovacao. o PT conseguiu fazer isso na tv paga e o resultado (simplesmente desastroso) é que no Brasil a AT&T nao consegue formalizar a compra da DirecTV (no Brasil representada pela Sky), porque a AT&T é dona de produtoras, programadoras e distribuidora. A mesma Lei estupida ainda impede, a depender de interpretacao, que uma programadora ofereça seus produtos diretamente ao consumidor, porque nao pode ser distribuidora (caso dos canais Fox Premium oferecidos por streaming sem necessidade de contratar uma operadora de tv paga).

    Enfim, nao apenas a proibição da propriedade cruzada é indesejada, como o entulho que ja criado nesse sentido precisa ser removido.

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