Leio na coluna de Nelson Motta em O Globo que “nada será como antes: os burocratas terão de ser reeducados”. Terminando com uma frase primorosa, bem a seu estilo: “Os escritórios e repartições públicas estão com os dígitos contados”. Já tinha pensado sobre isso antes da epidemia, mas me pergunto: será mesmo?

Nunca acreditei nas teses do sociólogo italiano Domenico De Masi, que na década passada ficou famoso ao defender o chamado “ócio criativo”. Seria permitir que todas as pessoas trabalhassem menos (sem perda de salário), abandonando os locais tradicionais de trabalho e passando mais tempo com família e amigos. O resultado, diz De Masi, seria a explosão da criatividade humana e, portanto, mais produtividade para as empresas e melhor padrão de vida para todos.

Como se vê, um mundo perfeito, que nem o mais radical dos hedonistas ousou imaginar. Recentemente, um empresário fanático soltou vídeo dizendo algo como “você que está aí de quarentena, numa boa, pense que se não voltar a trabalhar irá perder seu emprego”. O gaiato acabou demitido pelo próprio pai da empresa familiar onde “ganhara” um emprego.

Na visão de muita gente, e independente de posições políticas, trabalhar em casa é uma delícia. E a tecnologia nos faz o favor de facilitar as coisas, com a comunicação fácil, em tempo real, cada vez com mais qualidade de áudio e vídeo e a possibilidade quase infinita de compartilhar vídeos, áudios, fotos e todo tipo de documento.

Só que não. Home Office – “smart office”, dizem os americanos – implica em disciplina mais rígida do que a convencional dos escritórios. Sim, alguns podem trabalhar de pijama, mas estão longe de ser a regra. Nossas casas não foram planejadas para atividades profissionais (os escritórios, sim); tudo que a maioria está fazendo hoje não deixa de ser um improviso, em termos de workplace.

E há o fator fundamental: desempenho. Com todos os confortos que o trabalho doméstico nos traz, jamais se pode esquecer da produtividade – aquela mesma que a maioria dos estudiosos nos diz que cresce em países como Coreia, Japão, China, Alemanha e EUA, e que tanto faz falta no Brasil.

Antes de pensar em ócio criativo e teorias que tais, talvez fosse útil promover pesquisas entre os trabalhadores para “medir a pressão”: o que você acha de reduzir sua carga horária em 50%, cortando seu salário pela metade? Eu faria a pesquisa também entre autônomos, profissionais liberais, PJs, informais e empreendedores, milhões de pessoas que dão duro horas e horas por dia mas nem sempre têm local de trabalho único e definido. 

Ou, diante das necessidades do país, talvez a pergunta devesse ser invertida: você aceitaria um aumento de 30% no salário para trabalhar 30% mais (sem ócio criativo)? 

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