Quanto vale a vida? Hoje, mais do que nunca, cabe a pergunta. Milhares de pessoas por todo o país estão com medo de morrer de um vírus. E, se a morte, como alguns dizem, é mera consequência de se estar vivo, o que mais assusta é a forma de alguém perder a vida. Ou de, é disso que se trata, um ser humano tirar covardemente a vida de outro.
Ticyana não morreu, mas foi por pouco. Um vizinho apareceu para tentar socorrê-la e então os bandidos a deixaram de lado para atacar o pobre rapaz. Antes, gritavam irados que iriam matá-la e depois sumir com seu corpo. Eram quatro pessoas (dois homens, duas mulheres) ostentando a própria bestialidade. Revelou-se na sequência que se tratava de policiais, acobertados por colegas que presenciaram agressão hedionda a uma mulher sozinha e nada fizeram. 
João Pedro não teve a mesma sorte. Na flor dos 14 anos, brincando no quintal, o tiro de fuzil atingiu-lhe a barriga e ele nem teve tempo de pedir ajuda. Os policiais que haviam invadido a casa, supostamente à procura de traficantes, deixando as paredes perfuradas de balas, levaram embora o corpo sem nem falarem com os pais do garoto. Nenhuma satisfação à família, que somente no outro dia foi encontrar o filho no hospital, mas já morto.
Miguel, coitado, não foi vítima de bandidos policiais. Mas seu triste fim ilustra a noção de respeito à vida que muitos têm no Brasil. Era um moleque levado, o Miguelzinho. Em tempos de pandemia, sem poder ir à creche, grudava na mãe, que precisava trabalhar. A patroa, esposa do prefeito, um dos homens mais ricos da região, tolerava a presença do menino para que sua mãe, por exemplo, cuidasse do marido quando este apresentou sintomas de coronavírus. Madame não permitiu que Mirtes, a mãe de Miguel, faltasse ao trabalho mesmo durante a quarentena. Mirtes também cuidava dos dois filhos do casal, mas quando foi a vez da patroa cuidar de Miguel… 
As três histórias ganharam manchetes nesta semana, provocando justa indignação nacional. Como consolar essas vítimas? Que tipo de punição cabe a seus algozes? Inútil procurar nos códigos penais. Não há castigos suficientemente justos para alguém que revela tamanho desprezo pela vida alheia.
Desgraçadamente, precisamos abstrair a raiva, controlar o ímpeto da vingança, engolir a seco a vergonha de viver no mesmo planeta e no mesmo século dessa gente. 
Mas, sim, podemos fazer algo mais a respeito. Compartilhar a dor dessas famílias com o máximo possível de seres humanos que se pretendam dignos dessa classificação. Fazê-los refletir sobre a barbárie em que nos metemos. Berrar que crimes assim não podem passar em branco na base de uma fiança simbólica ou, pior, de inquéritos viciados. Contar para nossos filhos e netos de que matéria são feitos certos corações. Denunciar, em alta voz, sempre que um político explora a violência em seu favor ou quando se esbalda em demonstrações de ódio e preconceito.
Se fizermos tudo isso, e sempre, todos os dias, talvez haja uma esperança.

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