Se você, como eu, tem velhas fitas VHS gravadas com imagens de 20, 30 anos atrás que gostaria de rever, o caminho mais fácil é copiá-las em arquivos digitais tipo mp4 e assisti-las no computador; pode até passá-las para o smartphone e espelhar este (se tiver o recurso) com a tela de TV. Mas, e se suas imagens forem um pouco mais antigas, digamos, de 100 anos atrás?

Bem, se você for um nerd como Denis Shiryaev, imigrante russo que vive nos EUA, não vai desistir enquanto não tiver as tais velharias com a máxima nitidez possível. A história de Shiryaev foi contada na última edição da revista Wired, a melhor publicação do mundo em tecnologia. O que ele conseguiu só pode ser chamado de façanha. Trabalhando com um filme produzido em 1906 (exatamente no dia 14 de abril, quatro dias antes do célebre terremoto que destruiu parte de São Francisco), ele capturou toda a atmosfera da cidade e de sua gente como se as imagens tivessem sido feitas outro dia.

O filme original, que ganhou o título de A Trip Down Market Street, foi feito pelos irmãos Miles, quatro candidatos a cineastas que entraram para a história por filmarem, em tempo real, o grande terremoto. Eles tiveram a ideia de subir num bonde, o ônibus da época, cuja velocidade jamais ultrapassava 20km por hora, e filmar o movimento na principal rua da cidade. São pouco mais de 15 minutos de cenas comuns, com carros, bondes e carroças puxadas a cavalo disputando espaço com os pedestres e os ciclistas. Cliquem aqui para ver e se admirar.

Foi o primeiro filme a ser processado digitalmente pelo método DAIN (Depth-Aware Video Frame Interpolation), que permite aumentar os quadros da imagem para chegar à resolução 4K. E em cores, o que transporta o espectador 114 anos no tempo. Isso mesmo: podemos ver imagens de 1906 em glorioso 4K, com cores e tudo.

Outra sacada de Shiryaev foi alterar a velocidade de rotação do filme. Quem já viu algo do cinema mudo (os primeiros Chaplin, por exemplo) sabe que os personagens parecem estar sempre correndo. Isso se deve ao único método de filmagem possível naqueles tempos. Shiryaev aumentou a frequência dos 16 originais para 60 quadros por segundo, tornando tudo muito mais natural.

A empresa de Shiryaev chama-se Neural.Love e é especializada em restaurar filmes antigos – mas nunca havia lhe passado pelas mãos algo tão distante no tempo. Gostou tanto da experiência que foi atrás de outras relíquias escondidas em museus ou abandonadas em coleções particulares. Encontrou cenas de rua em 1911 (Nova York, foto acima), 1915 (Tóquio) e até 1890 (Paris, espetacular), entre outras cidades. Trabalhou também sobre as famosas imagens dos Irmãos Lumière na estação de trem francesa, em 1896, tão reais que assustaram os espectadores da sala onde o filme foi projetado – pensaram que o trem iria sair da tela e atropelar todo mundo!

Nos vídeos, que podem ser vistos na página da Neural.Love no YouTube, há vários outros filmes que a empresa reprocessou. Interessante observar a reação das pessoas ao se flagrarem filmadas, o que obviamente era raríssimo na época. Em entrevista à Wired, Shiryaev detalhou suas ferramentas de trabalho, que se baseiam em redes neurais. São algoritmos que permitem aplicar cores à imagem original, eliminar ou pelo menos suavizar chuviscos e distorções e fazer a interpolação de quadros. Para os interessados, este PDF traz explicação detalhada.

Sem dúvida, é o casamento perfeito entre arte e tecnologia. Quem sabe possamos daqui a pouco rever todas as obras-primas do cinema mudo restauradas dessa forma. Será, literalmente, uma viagem no tempo.

2 thoughts on “Filmes de 130 anos atrás, agora em 4K

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