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DeepSeek e a nova Guerra Fria

 

Antes até do que se previa, a Inteligência Artificial está deixando de ser uma questão apenas tecnológica e mercadológica, e ganhando ares cada vez mais políticos. Por causa da IA e de seus desenvolvimentos recentes, estamos voltando aos tempos da Guerra Fria.

O termo foi criado em 1945 pelo escritor inglês George Orwell (sim, o mesmo do Big Brother de 1984), a propósito da divisão do planeta entre EUA e URSS, as duas principais forças vencedoras da Segunda Guerra. A maioria dos especialistas julgava que os duelos diplomáticos e militares entre as duas grandes potências haviam se encerrado com a queda do Muro de Berlim e do império soviético, no final dos anos 80. Sim, o socialismo à moda antiga praticamente desapareceu, e hoje pode-se afirmar que isso tem muito a ver com tecnologia.

A Guerra Fria de hoje se dá entre EUA (com seus aliados, incluindo Japão e Coreia do Sul) e China; a Rússia de Putin – que sonha com a volta da URSS – sorrateiramente escolhe quando e onde se aliar a um lado ou outro. Em certo sentido, o DeepSeek, ferramenta de IA que está desafiando as big techs americanas, simboliza o poderio tecnológico da China, assentado sobre sua incrível expansão econômica nas três últimas décadas. Pode ou não ser coincidência, mas essa expansão se deu logo após o colapso socialista.

Big Techs agora apoiam Trump

Cientistas políticos já tentam dissecar o fenômeno, que explica, entre outras coisas, a ascensão de políticos como Trump e Milei. Já do ponto de vista estritamente tecnológico, a reação das big techs ao DeepSeek, incluindo sua repentina aproximação à agenda de Trump (vejam aqui), dá bem ideia do impacto que a China já causou no cartel – sim, essa é a palavra – da internet.

 

Como fornecedora de mais da metade dos eletrônicos usados no planeta (computadores, smartphones, TVs, componentes e tudo mais que você pensar), a China pode influir muito na evolução da IA. E, ao contrário dos americanos, que fazem marketing ostensivo de seus produtos e inovações, os chineses trabalham mais em silêncio. Tanto que boa parte dos experts foi pega de surpresa quando, na véspera da posse de Trump em janeiro, o DeepSeek derrubou as cotações na Bolsa Nasdaq, provocando prejuízo trilionário às big techs (só para lembrar).

Nas últimas semanas, sites americanos de tecnologia não passam um dia sem apontar os “perigos” e as vulnerabilidades do DeepSeek. O ZDNet publicou estudo de pesquisadores da Palo Alto Networks, laboratório de segurança cibernética do Vale do Silício, indicando pelo menos três meios de invadir a rede do serviço chinês (aqui, o texto original). Usando determinados prompts, ele disseram ter obtido do DeepSeek instruções sobre como roubar e compartilhar dados sigilosos, driblar códigos de segurança e até produzir um coquetel Molotov!

Outra “denúncia”, bem mais séria, foi feita à rede de TV ABC pela consultoria canadense Foroot: “Estamos encontrando links diretos a servidores de empresas que estão sob controle do governo chinês”, comentou um executivo da consultoria que disse ter analisado o DeepSeek (mais detalhes aqui).

Abaixo a diversidade???

Com menos de dois anos de vida (a serem completados em maio), a startup DeepSeek vem tendo crescimento estratosférico depois de lançar em dezembro o R1, versão popular do programa de IA Generativa que utiliza código aberto. O custo para acesso a sua API é de apenas 14 centavos de dólar, quando o equivalente da OpenAI é de US$ 7,50.

Essa parece ter sido a grande motivação para empresas como Meta e Amazon mudarem sua postura e passarem a apoiar explicitamente o governo Trump. Meta e Google já anunciaram inclusive mudanças em suas políticas de diversidade, após terem estado entre as primeiras que, na década passada, promoveram suporte a imigrantes, LGBTs e às mulheres em geral.

Ao mesmo tempo, todas as big techs – agora apelidadas “As 7 Magníficas” – apresentaram seus últimos balanços projetando mais investimentos em IA, o que vai contra análises de consultorias especializadas. Estas alegam que os chineses acabam de provar que, para inovar em IA, não é necessário tanto dinheiro (aqui, mais detalhes).

Para garantir o retorno desses investimentos, sem dúvida as big techs precisarão de ajuda do governo. Seja para comprar mais softwares e outros produtos delas, quanto para criar barreiras à expansão da DeepSeek. Para muitos analistas, essa postura oportunistadesnuda a máscara que o Vale do Silício sempre procurou manter: a de que inovação exige independência em relação aos governantes de plantão.

Parece que esse tempo ficou para trás, assim como a velha Guerra Fria.

 

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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