Por Eduardo Prado*
As startups
StickNFind e
Estimote já estão fornecendo hardware baratos compatíveis com a tecnologia Beacon que podem ser utilizados na versão 4.3 (ou posterior) do sistema operacional Android. A tecnologia BLE também é conhecida como
Bluetooth Smart (ver
Bluetooth Blog).
Alguns especialistas têm chamado a tecnologia BLE um “game changer”, que pode alterar o posicionamento da tecnologia NFC (
Near Field Communication) no cenário dos pagamentos móveis. A tecnologia BLE pode ser utilizada para check-in de cupons, automação residencial, localização em interiores (
indoor location), dispositivos de fitness, marketing de proximidade, segurança e pagamentos móveis.
A Apple que já devia estar considerando ter o domínio da tecnologia BLE – como é sua atitude frequente em relação a tecnologias associadas a seus produtos – quando deu um passo firme nessa direção, ao adquirir em meados desse ano a empresa Passif Semiconductors que tinha know-how in BLE (ver
Exclusive: Apple Recently Acquired Low-Energy Chipmaker Passif, 01.aug.2013).
Bem ao estilo Apple de grandes alianças estratégicas, ela anunciou também uma parceria recente com a Liga Principal de Beisebol (MLB –
Major League Baseball) para utilizar a tecnologia BLE em aplicações criativas nos estádios dessa Liga (p. ex., localização de assentos, pagamentos de bebidas e comidas, cartão fidelidade, entre outras). Isto vai dar o que falar. Pode anotar no seu caderninho! (ver
Apple and MLB Collaborating on iBeacon-Infused App for Customized Stadium Experiences, MacRumors, 26.sep.2013). Conheça mais sobre o iBeacon da Apple aqui:
Apple iBeacons Explained – Smart Home Occupancy Sensing Solved?, Automated Home, 03.oct.2013 e
With iBeacon, Apple is going to dump on NFC and embrace the internet of things, GigaOM, 10.sep.2013.
Um pouco de história
A tecnologia BLE é um protocolo de rede de tecnologia sem fio teve origem no “velho e conhecido”
Bluetooth (a qual nos referenciaremos nessa matéria como Bluetooth “Clássico”).
A especificação do BLE foi liberada em junho de 2010. Embora carregue o mesmo nome do Bluetooth “Clássico”, ela tem uma especificação completamente nova, projetada para habilitar o funcionamento de dispositivos de baixo consumo de energia por vários meses com baterias pequenas.
Sua história remonta a 2001, quando a Nokia tentou “emplacá-la” como a tecnologia núcleo do padrão IEEE 802.15.4 que definiria um rádio de curto alcance e baixa potência. O Grupo do IEEE escolheu a proposta do protocolo que se tornou o conhecido como
ZigBee, mas a Nokia continuou internamente o seu desenvolvimento, e esse seu protocolo emergiu como o padrão Wibree.
Em meados 2007, o
Consórcio do Bluetooth anunciou que que estaria fazendo uma junção do Bluetooth “Clássico” com o Wibree da Nokia (ver
Bluetooth + Wibree Merge, Dailywireless, 12.jun.2007). É importante destacar que o Consórcio do Bluetooth estava tentando há vários anos buscar uma forma de reduzir o consumo de bateria do Bluetooth “Clássico”, e falhou nessa missão. Quando a Nokia ofereceu o padrão Wibree como base para a nova geração de Bluetooth, o Consórcio resolveu utilizá-lo como ponto de partida para o que veio a se tornar o protocolo BLE.
Também é importante destacar que o BLE é um padrão inteiramente novo. É efetivamente um “projeto feito em uma folha de papel em branco” desenhado em função da expertise da Nokia através de especialistas de rádios de baixo consumo de potência.
Atualmente os chips dos smartphones e tablets incorporam os dois padrões de Bluetooth (o “Clássico” e o Low Energy). Os equipamentos com tecnologia BLE incorporam o padrão Bluetooth 4.0 (ver
Bluetooth 4.0: Healthy Growth, Dailywireless, 13.NOV.2013). Recentemente, a versão 4.1 do BLE foi anunciada (
Bluetooth 4.1 Released, Dailywireless, 04.dec.2013).
Os seguintes dispositivos suportam a tecnologia BLE:
*dispositivos Apple com Bluetooth 4.0 (iPhone 4S ou posterior, iPad 3 ou posterior, iPod Touch 5 e iPad Mini ou posterior);
*dispositivos Android com Bluetooth 4.0 e Android 4.3 ou posterior (Samsung Galaxy S3/S4/S4 Mini, Samsung Galaxy Note II/III, HTC One, Nexus 7 2013 edition, Nexus 4, Nexus 5, HTC Butterfly e Droid DNA);
*computadores Macintosh equipados com OS X 10.9 (Mavericks) e Bluetooth 4.0 usando aplicação MacBeacon da Radius Networks;
*dispositivos com Windows Phone: Nokia Lumia (520, 525, 620, 625, 820, 920,925, 928, 1020, 1320, 1520);
*dispositivos BlackBerry modelos Z10, Q10, Q5 e Z30;
Em relação aos sistemas operacionais (SO), os seguintes SOs suportam o Bluetooth Low Energy: iOS 5 ou posterior; Windows Phone 8; Android 4.3 ou posterior e BlackBerry 10.
Comparação com outras Tecnologias
Embora o ambiente da tecnologia NFC seja muito diferente e tenha muitas aplicações que não se sobrepõem com a tecnologia Beacon, ela ainda é comparada com essa tecnologia. O alcance do NFC é até 20cm, mas o intervalo ideal real é menor que 4cm. A tecnologia Beacon pode trabalhar em até 50m de alcance. No caso do NFC, o dispositivo móvel precisa de ter um chip NFC para realizar a comunicação eficaz, o que restringe o usuário do NFC. Outra vantagem do Beacon sobre o NFC é que nem todos os aparelhos celulares têm chips NFC, mas a maioria dos telefones têm capacidade Bluetooth (a maioria dos aparelhos novos já vêm com o Bluetooth 4.0).
Com a tecnologia de captação de energia da bateria de zero utilizada de acordo com o padrão Bluetooth 4.0, os dispositivos Beacon utilizam menos bateria que o NFC.
Aplicações
A tecnologia Beacon vai ter várias utilidades em aplicações inovadoras no segmento de Varejo. Há algumas aplicações óbvias e outras menos. Todas elas têm um grande potencial para modificar a forma como os consumidores e varejistas interagem uns com os outros (
Game over for NFC as Apple’s iBeacon hits world’s busiest retail store, Computerworld, 06.dec.2013).
Essa tecnologia terá um grande impacto sobre os sistemas de fidelização, que agora têm o potencial de micro-segmentação com o Beacon. Uma vez que os varejistas podem acessar as informações a partir de aplicações (Mobile Apps) dos clientes, essa tecnologia leva-nos para um mundo que não é mais restrito em saber o que alguém compra, mas para um outro onde os varejistas podem ver como seus clientes compram (ver
Sensing the future of retail, GigaOM, 29.nov.2013).
Já existem grandes varejistas ansiosos para empurrar o seu negócio para o futuro com experiências digitais altamente personalizadas. A grande cadeia varejista
Macy´s já está instalando iBeacons da Apple em suas lojas de Nova York e San Francisco, com a ajuda de uma aplicação móvel chamada
Shopkick(ver
Macy’s is the first retailer to use Apple’s iBeacon for in-store presence, GigaOM, 20.nov.2013). Um consumidor ao andar dentro das suas lojas automaticamente “ativa” a app Shopkick, que faz ofertas especializadas ao consumidor dependendo do lugar onde ele está na loja.
Isso é apenas o começo, no entanto. Os varejistas já estão falando sobre novidades como navegação no interior da loja e precificação dinâmica, tudo possível graças a tecnologia Beacon que pode ser instalada nas lojas. Para varejistas independentes, a tecnologia Beacon é uma chance de entrar na era do smartphone com uma só “tacada”. Um custo módico de 33 dólares (nos EUA) de uma antena Beacon (um pacote de três antenas da startup
Estimote custa 99 dólares) é tudo o que necessário, para uma pequena loja poder acompanhar os seus clientes, fazer recomendações, e oferecer descontos e/ou promoções especiais para eles.
Acrescente-se aqui ainda os programas de fidelização e o conhecimento do perfil de compra dos clientes habituais. Uma série de novas oportunidades poderá ser explorada com essa nova realidade digital através da utilização da tecnologia BLE. Muitas outras áreas de aplicação são similares, baseando-se na capacidade de detectar a distância de uma antena Beacon. No caso da Apple com seu iBeacon, o sistema operacional iOS7 oferece recursos que podem usar essas informações em maneiras diferentes, logo as aplicações podem ser divididas em algumas áreas distintas, ainda que relacionadas.
Navegação e Mapeamento
A aplicação mais simples da tecnologia Beacon é a navegação/localização de interiores (
indoor location). Aqui essa tecnologia fornece informações de localização, permitindo que uma aplicação de um usuário possa guiá-lo através de uma loja ou espaço público interior. O iBeacon da Apple permite a exata localização de um dispositivo em ambientes fechados, uma limitação da famosa tecnologia GPS, que é falha em distinguir locais muito próximos. O iBeacon permite aos aplicativos “um novo nível de micro-localização” e pode ser usado em diversos serviços, como guiar trilhas em parques, fornecer informações sobre obras expostas em museus e, como a Apple está usando, para conhecer detalhes adicionais sobre seus produtos nas suas lojas próprias (ver
Apple’s iBeacon: Location via Bluetooth 4.0, Dailywireless, 04.dec.2013).
A Nokia está adotando uma abordagem convencional, usando para avisos que transmitem informações sobre a localização padrão (latitude, longitude e elevação). Isso funciona bem com suas aplicações existentes do Nokia Maps, efetivamente adicionando um elemento de localização de interior a uma API existente. Como esses dados são constantes e compatíveis com toda uma indústria estabelecida, podem facilmente ser utilizados por desenvolvedores para gerar outras aplicações.
Além de servir de guia/orientação para localização em interiores, permite que uma determinada aplicação possa salvar uma trilha de “migalhas de pão” do caminho do usuário, que pode ser carregada e analisada; serve ainda para compreender o processo de tomada de decisão do usuário, ou também para validar a eficiência do layout de uma loja (ver
Bringing Navigation Indoors, Nokia Research Center).
Em março de 2013, a Apple adquiriu a empresa de mapeamento WiFiSLAM – que possuía uma solução de mapeamento de interiores, o que sugeria que ela já estava “de olho” no negócio de Beacons para localização (
Referências do Google sobre essa Aquisição). A utilização de vários Beacons possibilita que as aplicações façam
triangulação para determinar uma posição geográfica com maior precisão. Embora tecnicamente viável, quanto maior for a precisão maior será o processamento do dispositivo, e consequentemente maior será o consumo da sua bateria.
Mobile Payment
Uma outra área de atividade da tecnologia Beacon é a de Pagamentos Móveis. O famoso site PayPal já mostrou a sua própria implementação, baseada em um dispositivo USB que interage com um app do Paypal para permitir que os usuários façam suas transações de pagamentos com as “mãos livres” (
Referências do Google: Pagamento Móvel com Beacon do PayPal).
O problema das carteiras digitais (mobile wallet) é um assunto delicado, mas a tecnologia está finalmente começando a fazer sentido. Três anos atrás, o futuro de carteiras digitais baseava-se “quase” que inteiramente na tecnologia NFC (
Near Field Communication). Apesar de diversas implementações de carteira digital com NFC – notadamente apoiada pelas operadoras de telefonia móvel (ver
Mobile Payment: Uma Guerra de Gigantes, Convergência Digital, 13.fev.2012) — hoje parece que a tecnologia BLE é uma “forte” alternativa para a massificação dos pagamentos móveis.
A tecnologia NFC ainda é apoiada pelas seguintes organizações internacionais:
ETSI/SCP (European Telecommunications Standards Institute / Smart Card Platform);
GlobalPlatform (Standard for managing applications on secure chip technology); e
EMVCo (Global standard for credit and debit payment cards based on chip card technology). Com certeza, deslocar a tecnologia NFC dos pagamentos móveis será uma grande disrupção!
Cerca Digital (Geofencing)
A “Cerca Digital” é uma forma especial de localização, onde os dispositivos utilizam os Beacons para limitar ou verificar a área na qual o usuário está se movimentando. Dentro do sistema operacional iOS7 da Apple existe uma função geofencing, onde uma aplicação pode instruir o dispositivo para verificar se ele permanece dentro de um intervalo definido de Beacon (ou conjunto de Beacons) e depois alertar uma aplicação se ele se move fora desse intervalo. A vantagem inferida nessa operação é que a função de geofencing opera em background, consumindo então muito pouca energia até detectar se os parâmetros da “cerca digital” se alteraram para fora da faixa definida, e nesse momento, a função alerta a aplicação.
Essa funcionalidade pode ser interessante para monitorar pessoas dentro de uma área pré-delimitada (p. ex., idosos) e pode também ser útil no segmento de varejo para acompanhar quanto tempo um consumidor permanece em uma determinada área de uma loja.
Proximidade
Ao contrário do que o Consórcio Bluetooth e a Nokia consideram como Proximidade, a maioria dos fornecedores de Beacon, incluindo a Apple com seu iBeacon, tem uma visão mais simples, que é a de detectar quando um dispositivo central está dentro do alcance de um Beacon. Isso proporciona uma aplicação mais simples da percepção da presença do cliente em um determinado ambiente, que é “Bem-vindo à loja” ou “Bem-vindo ao departamento de eletrônica.” Além do varejo, esse “bem-vindo” pode interessar também ao segmento bancário, para um banco saber se um “determinado cliente” chegou na sua agência bancária.
Desenvolvedores de novos produtos, cadê vocês? Está na hora de “acordar”, novos serviços móveis já podem ser implantados em vários smartphones! (ver
The Great Indoors: Challenges and Use Cases, Qualcomm, 13.aug.2013). Escrever uma aplicação para exibir uma mensagem em um aparelho celular é trivial e de uso muito limitado. Mas enviar um alerta subjacente pode desencadear interações muito mais sutis. Este é o ponto de partida do sistema de Beacon da PayPal, onde o usuário é sinalizado que está dentro da loja.
Enquanto o PayPal tem uma abordagem segura, com autenticação de backend do usuário, é fácil de ver outras aplicações emergentes que interagem com dados pré-carregados em uma aplicação do celular, ou acessados através de um link de dados alternativo para fazer o download de informações da web ou de um servidor específico.
À medida que mais Beacons são implantados em uma loja, muitos deles com alcance limitado, a ordem na qual eles são detectados fornece uma trilha de “migalhas de pão” descrevendo como o consumidor progride no interior de uma loja. Para os supermercados, eles dão informações de como os consumidores caminharam no interior da loja, fornecendo informações valiosas sobre o “uso de corredor”. Para lojas de departamento ou de roupas, indicam quanto tempo os usuários permanecem em cada seção e quantas vezes podem ter retornado para o mesmo ponto. Essa solução também pode ser utilizada para administrações de shopping centers, indicando como os consumidores “andam” pelas suas instalações. As informações de percursos utilizados pelos consumidores são muito importantes para o varejo. Um problema nesse argumento é que uma loja só conhecerá a “rota” do consumidor se puder acessar os dados de Beacon registrados no seu aparelho celular, pois os Beacons não têm nenhuma maneira de localizar o telefone. Isto implica que o usuário tenha “baixado” uma aplicação no seu telefone, que carrega sua trilha do Beacon em um servidor loja, e que poderá executar análises valiosas sobre os hábitos dos consumidores em tempo real.
Quanto custa?
Como exemplo, vamos considerar o caso da cadeia Macy´s, cuja área média de uma loja é de 16.258 metros quadrados. Uma antena de iBeacon da Apple tem alcance de 50 metros (típico da antena de BLE) ou 2.500 metros quadrados. Então para cobrir uma loja da Macy´s precisaríamos de 7 antenas de iBeacon. A startup
Estimote – empresa que lançou recentemente a venda de antenas Beacons – está comercializando um pacote de 3 antenas por US$ 99,00 (base EUA). O alcance das antenas Beacons da Estimote é de 50 metros, mas o alcance recomendado pelo fabricante é 10 metros. Dessa forma, seguindo o que é recomendado pela startup, uma antena Beacon cobre 100 metros quadrados, e assim seriam gastos US$ 5.370, aproximadamente, para cobrir 2.500 metros quadrados (ou 162,58 antenas Beacons) de uma loja média da Macy´s.
Se a Macy´s desejasse adicionar etiquetas com a tecnologia NFC (cada uma a US$ 0,10), para todos os seus produtos enviarem informações para smartphones com essa tecnologia, seria necessário gastar US$ 1.000 para 10.000 produtos, US$ 10.000 para 100.000 produtos e US$ 100.000 para 1 milhão de produtos. A tecnologia NFC pode não ser necessária para todos os produtos de uma loja, mas esse cálculo nos fornece uma idéia grosseira de quanto isso custaria.
E, para finalizar, um pergunta que não quer calar: por que todo esse “furor” em torno da tecnologia BLE? Vejo como destaque algumas respostas:
(a) é uma tecnologia de baixo consumo de bateria;
(b) com a sua característica simples de proximidade vai impulsionar grandes negócios na área de navegação/localização de interiores (p. ex, mercado varejista),
(c) não é necessário nenhum hardware adicional como no caso da tecnologia NFC, visto que o BLE é incluído de forma nativa em um grande número de smartphones através do Bluetooth,
(d) conta com uma grande força impulsionadora que é a magia da marca Apple de fazer grandes transformações no mercado de tecnologia digital!
Quem viver verá!
*Eduardo Prado é consultor de mercado em novos negócios, inovação e tendências em Mobilidade e Convergência.
Artigo publicado originalmente no site Convergência Digital (leia a íntegra aqui)