O potencial das outorgas de TV a Cabo

Por Luciano Costa*

A recente decisão da Anatel sobre a liberação das licitações para a prestação de serviço de TV a Cabo é, sem sombra de dúvida, um grande avanço e pode indicar uma nova etapa no nível de competição no setor de telecomunicações.

Já há tempos o mercado trabalha com ofertas “triple play”, que combinam serviços de voz, banda larga e TV paga. Trata-se de uma tendência já entendida pelos consumidores e um caminho aparentemente inevitável para qualquer operação comercial de vulto no setor. O verdadeiro “triple play” é aquele no qual todos os serviços estão baseados na mesma infra-estrutura, permitindo o aproveitamento máximo das sinergias de rede. Embora as eficiências obtidas em outros segmentos da cadeia de valor, como marketing, vendas, atendimento etc. também sejam relevantes.

Nesse cenário, é notório o interesse dos grandes grupos de telecom, em especial as concessionárias de telefonia fixa, na exploração do mercado de TV a Cabo, de forma a garantir e incrementar suas receitas com voz e banda larga. O ponto defendido neste aritgo é que, bem aproveitadas, as novas outorgas de TV a Cabo podem fazer muito pela massificação da banda larga, de forma mais rápida e coerente com o modelo e a legislação em vigor no setor de telecomunicações do que as iniciativas que o Governo Federal vem adotando.

Tem sido dito que, no que se refere às concessionárias, a entrada no mercado de TV a Cabo só seria efetivamente liberada com mudanças na Lei do Cabo, por meio do conhecido PL 29. Seriam superadas as restrições trazidas tanto pelo contrato de concessão, cuja cláusula 14.1, § 1º, restringe a atuação da concessionária local como operadora de cabo, como a questão da participação de capital estrangeiro neste serviço, que afeta os dois grandes grupos não nacionais que operam no País.

No entanto, essas são meias verdades, pois, como todos sabemos, em um setor dinâmico como telecom, o mercado é implacável com a lentidão na modernização de leis e regulamentos. De fato, Telmex e Telefônica já resolveram o problema da Lei do Cabo há tempos, com suas associações com Net e TVA, respectivamente. Claro que o fim da restrição ao capital estrangeiro poderia eliminar os elevados custos de transação que estes grupos estão incorrendo, mas não há como negar que ambos estão efetivamente, por meio das referidas parcerias, atuando no segmento.

A cláusula do contrato de concessão, por sua vez, se torna ineficaz se a Anatel vier confirmar o entendimento de que, por não haver recurso escasso envolvido, não deve haver limites para as outorgas de TV a Cabo. Trata-se de uma questão de hermenêutica jurídica. A Anatel já reconheceu em um caso concreto (Oi/WayTV, proc. n. 53500.019823/2006) a possibilidade de se aplicar o disposto no art. 15 da Lei do Cabo. Ou seja, na falta de interessados em explorar o serviço em uma dada região, a concessionária local de STFC estaria autorizada a fazê-lo. Ora, a premissa lógica para esta possibilidade é a existência de limitação à quantidade de prestadoras de TV a Cabo e, portanto, de outorgas a serem concedidas. Caso não haja mais limites ao número de operadoras, e, portanto, de outorgas, não há que se cogitar a falta de interessados, por que seria teratológico (um completo absurdo jurídico) exigir que se aguardasse um número indefinido (ou infinito) de interessados para que se pudesse, só então, conferir o direito de exploração à concessionária local.

Ou seja, a aplicação do art. 15 da Lei do Cabo pode se tornar automática, diante da impossibilidade de se aferir o desinteresse manifesto de outras empresas pela outorga.

A Anatel teria, então, a possibilidade de utilizar o interesse das concessionárias em entrar de vez no mercado de TV a Cabo como alavanca para ampliar o acesso às suas redes, e aumentar a competição em todo o setor de telecomunicações. Já se sabe que a regulação do tipo “comando e controle”, caracterizada pelo esquema (i) edição de uma norma; (ii) fiscalização quanto ao cumprimento; e (iii) sanção pela não observância, tem em muitos casos efeito limitado, para não dizer inócuo, especialmente quando estamos diante de questões envolvendo elevada assimetria de informação, como é a questão do acesso às redes de telecomunicações. Essa é a lição que não pode ser esquecida das dificuldades enfrentadas na regulação de temas como “unbundling” e EILD.

Por outro lado, há excelentes exemplos de regulação de incentivos, como a antecipação de metas de universalização em 2001, que tinha como “prêmio” a entrada no então lucrativo segmento de longa distância, e as últimas licitações do Serviço Móvel Pessoal, com sua estratégia de juntar “osso com filé”.

A proposta então seria simples: associar a outorga do direito de exploração de TV a Cabo por concessionárias ou suas coligadas – ou mesmo por empresas detentoras de Poder de Mercado Significativo, se se quiser ampliar o foco – a obrigações específicas de abertura de rede. E não se traz aqui nenhuma grande novidade. Na discussão das contrapartidas requeridas para aprovação da fusão Oi/BrT, este foi um dos temas abordados. No final, o condicionamento relativo a este aspecto foi suavizado, mas a idéia originalmente posta previa a disponibilização de um percentual das redes da concessionária e até mesmo a criação de um sistema, acessível pela Internet, para o controle quanto a essa disponibilidade.

No caso das novas outorgas de cabo, o conceito pode ser retomado, determinando que as concessionárias reservem, digamos, 50% da sua capacidade de rede dedicada ao serviço para terceiros interessados em explorar serviços de telecomunicações, inclusive banda larga.

O objetivo é que a oferta de redes no atacado torne-se um negócio necessário para as concessionárias em relação às suas novas redes. Parece-nos claro que estimular a construção de redes com foco específico no aluguel para terceiros é mais eficiente que estabelecer, posteriormente, preços-teto, pois o ideal é que o fornecimento de redes no atacado esteja previsto desde o início nos planos de investimento e receita das operadoras. Nessa perspectiva, várias soluções interessantes podem surgir, como o estabelecimento de parcerias com empresas locais, o compartilhamento no investimento e manutenção das redes, dentre outras.

É possível que haja algum descompasso entre a infra-estrutura disponível e a demanda dos mercados até que se alcance um equilíbrio adequado, mas certamente este será um problema perfeitamente gerenciável e com boas chances de ser resolvido pelo próprio mercado. Evidentemente, algum tipo de controle permanecerá necessário, mas se as concessionárias forem adequadamente estimuladas a construir redes com o objetivo original de ofertá-las no atacado, esse controle pode ser bem mais fácil.

*O autor é advogado do escritório Caldas Pereira Advogados e Consultores Associados. O artigo foi publicado no site Teleco em 31/05/2010.