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Berlin Alexanderplatz

Alguém lembra do grande filme de Rainer Fassbinder (foto)? Quando vi, ali por meados dos anos 80, em VHS, não entendi muita coisa… Foi, se não falha a memória, o primeiro filme de longuíssima metragem lançado em vídeo: 15 horas de duração!!! O que obrigava a ser visto em pedaços. Neste domingo, caminhando pela Praça Alexander, bem no centro da capital alemã, compreendi um pouco melhor o espírito do filme.

É nessa praça que as famílias berlinenses se reúnem nos fins de semana para passear, conversar, comer, beber, brincar com as crianças, dar comida aos pássaros, ou simplesmente ficar sem fazer nada. E é nela que se concentram atualmente os preparativos para a grande comemoração do ano por aqui: no dia 9 de novembro, os alemães irão às ruas para festejar os 20 anos da queda do Muro de Berlim. Foi o que eles chamam de “revolução da paz”, um movimento que nasceu espontaneamente após décadas de comunismo. Milhares de famílias foram separadas pelo Muro, certamente uma das maiores vergonhas da História da humanidade. As marcas do Muro continuam por toda Berlim, preservadas como uma espécie de sinal de alerta: todo mundo que as vê reafirma na própria consciência a idéia de que aquilo nunca mais deve se repetir.

Poucas cidades no mundo podem dizer que possuem uma “praça do povo”, como é esta Alexanderplatz. As celebrações pela queda do Muro serão centralizadas aqui (vejam na foto), embora o Muro propriamente dito ficasse a algumas quadras de distância. É que, na época do comunismo, a praça era um lugar onde as pessoas se encontravam para chorar as próprias mágoas, em silêncio, já que as manifestações – assim como as brincadeiras dos domingos à tarde – eram proibidas. A praça ficava do lado oriental de Berlim. Com certeza, entre seus freqüentadores estavam aqueles mártires que, ao tentar atravessar o Muro, foram metralhados pelos soldados comunistas.

Os alemães em geral não gostam de falar desse passado. O filme de Fassbinder – que ganhou versão restaurada em DVD dois anos atrás – não fez muito sucesso, justamente porque tentou tocar nessas feridas. Os que viveram o comunismo sabem muito bem por quê. Os mais jovens, que talvez não saibam, têm nos restos do Muro uma aula de História ao vivo, e diária.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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  • Muito bom relembrar no meio de um blog que trata mediação da tecnologia, o "porque" disso tudo, do esforço que se faz para difusão da cultura. Relembrar Berlin, antes da segunda guerra, como no romance de Alfred Döblin, passado por Fassbinder em episódios para TV e seu comentário sobre a versão restaurada em 2007, é um must. Berlin, Nurenberg, Dressden estão na minha memória (e certamente de muitos da minha geração) como uma lição viva sobre a bobagem da intolerância, desrespeito de pessoas de visão curta e mente simples que constantemente sugerem modelos sociais e políticos retrógrados e ineficientes.

    Fica o nosso dever nestes novos tempos relembrar e evitar muros políticos e culturais, sejam eles plantados conscientemente ou não. Vale então mencionar obras densas como o citado filme, ou outras com o tom mais leve como Good bye Lenin de Wolfgang Becker, é o belíssimo filme A vida dos outros (DDR 1984? como George Orwell?) do Florian Henckel.

    Fica um registro meu: Poucos dias após a queda do muro, de carro, e adentrando a antiga DDR, à caminho de Dresden, tudo como cinema, lembro que era fascinante viver o antagonismo destes dois mundos separando a Alemanha. Trabies, estradas ruins e torres de observação eram um cenário comum na antiga DDR. A arquitetura moderna dos anos 1960 (horrível) de Dresden compartilhava ruínas intactas de bombardeios da segunda guerra. Vitrines de lojas vendiam bonecas de porcelana como se fazia nos anos 1920 ao lado de video cassette "importados" da vizinha Alemanha "não democrática" (é uma piada). O que mais me marcou foi a demora de mais de 4 horas para conseguir completar uma ligação telefônica (via operadora) do meu hotel em Dresden para qualquer lugar do "outro lado da Alemanha democrática". Algo para não esquecer: Há menos de 20 anos, recados via pombo correio poderiam funcionar melhor que telefone. O mundo mudou para melhor. E a tecnologia também.

    Obrigado Orlando!

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Orlando Barrozo

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