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Para quem quer entender

Mais uma vez, a repórter Elvira Lobato, da Folha de São Paulo, vai fundo na investigação sobre o setor de telecom e coloca o dedo na ferida. Nesta terça-feira, o jornal detalha o esquema de desvio dos fundos mantidos pelo governo para financiar a melhoria do sistema – fundos, é bom repetir sempre, formados com o nosso dinheiro. Não chega a ser novidade para quem acompanha mais de perto esse mercado, mas Elvira mostra os números, que não podem ser contestados (são dados oficiais, da Anatel e do Tesouro Nacional):

FISTEL (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações) – Criado em 1999, é recolhido pelas operadoras de telefonia, de TV por assinatura e emissoras de rádio e televisão e, claro, repassado na conta dos assinantes. Pela lei, deveria servir para cobrir as despesas de fiscalização do setor. Mas só 10% do total arrecadado vai, de fato, para essa finalidade.

FUNTTEL (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações) – Criado em 2001, é composto de 0,5% do faturamento das empresas e destina-se a financiar pesquisas e capacitação profissional no setor.

FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) – Também surgiu em 2001, com base no recolhimento de 1% da receita das empresas, com o objetivo de ampliar o acesso a telefone e internet para toda a população.

Somados, os três fundos já arrecadaram até hoje cerca de R$ 48 bilhões, mas apenas R$ 4,9 foram realmente usados para as finalidades determinadas na lei. O restante foi (desculpem, não encontro outra palavra) “sequestrado” pelo Tesouro para financiar o abatimento da dívida pública (!!!) – uma desculpa, aliás, que é usada frequentemente para desviar dinheiro de várias fontes. É bom notar que, no caso do Funttel, metade dos recursos foi de fato encaminhada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, que mantém, por exemplo, o CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações), um dos órgãos mais eficientes do País. Deveria ser 100%, mas tudo bem.

Já em relação aos outros dois fundos, a situação é simplesmente deplorável. O Fistel, que é o maior deles, compõe-se de R$ 13 cobrados anualmente sobre cada linha de celular, mais R$ 26 que você paga ao habilitar seu aparelho. A reportagem fez a conta: a cada ano, o governo recolhe com isso cerca de R$ 2,5 bilhões, sob o pretexto de melhorar a fiscalização do setor – que, como todos sabemos, é muito bem fiscalizado… Por sua vez, o Fust está simplesmente congelado. Após dez anos de recolhimento, o Tesouro já embolsou R$ 9 bilhões e nada disso foi usado para a tal “universalização”.

Antes que me acusem de estar contra o governo Lula, lembro que essa “garfada” começou no governo FHC, quando esses fundos foram criados. Desde então, já tivemos seis ministros das Comunicações e não sei quantos conselheiros da Anatel, além dos vários “assessores” presidenciais especializados no assunto, e o sequestro continua, mês a mês, ano a ano. Esses números – que, repetindo, são oficiais – ilustram como a discussão em torno das teles está equivocada no Brasil. Recriar a Telebrás em nada vai alterar esse quadro; ao contrário, deve até piorá-lo, pois será preciso mais dinheiro para manter uma nova estatal. Significará, no máximo, estatizar o assalto!

Para o usuário, que é quem paga a conta, haveria duas soluções melhores: devolverem o que já foi recolhido; ou, no mínimo, fazerem uma fiscalização decente. Mas, pelo visto, vamos continuar sendo roubados.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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  • Sim, nós pagamos impostos para que o governo controle tais empresas, infelizmente a estrutura brasileira sempre foi ineficiente neste quesito. Em relação à outros países temos poucos funcionários para tais atribuições, o caso não é a quantia (baixo número de funcionários), mas qual a efetiva atribuição, o que e como fiscalizar.

    Aliás, gostaria de saber o lucro líquido destas mesmas empresas, em todo este tempo, já que elas sempre possam de vítimas, sem no entanto melhorarem o serviço.

    Uma empresa estatal é, em primeiro lugar, uma concorrente e assim deve ser encarada.

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Orlando Barrozo

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