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Imprensa vs. imprensa

Katharine Graham, dona do Washington Post e durante décadas uma das pessoas mais poderosas dos EUA, tinha uma frase certeira: “Jornalismo é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado; o resto é propaganda”. Lembrei dessa joia ao acompanhar esta semana mais um episódio da insana guerra entre as revistas Veja e Carta Capital, duas das publicações mais tendenciosas que já existiram no Brasil. Enquanto a primeira divulgava uma “não-entrevista” com o trambiqueiro Marcos Valerio, a segunda saía-se com uma ode ao ex-presidente Lula, apresentada sob a alcunha de “reportagem”. Leitores de ambas foram covardemente enganados.

Publicar como “entrevista” um texto em que o entrevistado não diz uma só palavra (tudo é atribuído a “amigos” e/ou “pessoas próximas”) é caso de Procon, para dizer o mínimo. Diante das – justificadas – reações dos puxa-sacos do ex-presidente, a revista informou que Valerio realmente havia dado entrevista e que esta teria sido até gravada, estando em condições de ser veiculada no site da revista. Passada uma semana, nem a gravação foi ao ar, nem foi dada qualquer explicação. O leitor, depois de ter pago pela revista, fica sem saber se Valerio de fato falou ou não falou (seu advogado desmente). A nova edição de Veja, que circula neste fim de semana, repete trechos da inédita pseudo-entrevista.

No outro extremo desse jornalismo que no passado costumava-se chamar de “marrom”, Carta Capital, como sempre forrada de anúncios do governo federal, publica um texto que poderia perfeitamente ser assinado pela assessoria de imprensa do PT. Nele, Lula é apontado como vítima de um esquema orquestrado pelas “elites” e pela “grande imprensa”, colocando em suspeita até os ministros do Supremo Tribunal Federal nomeados pelo próprio ex-presidente. Denuncia um tal de “antilulismo” como tentativa de reduzir a influência de Lula nas eleições. Nenhuma linha sobre o mensalão e os crimes que estão sendo julgados no STF. Aqui, também, o leitor tem direito de se sentir traído. Afinal, comprou uma revista e recebeu em seu lugar uma peça de propaganda política.

Os fatos? Como dizia um político das antigas, ora, danem-se os fatos.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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  • Parabens!!!! finalmente alguem falando algo sensato. A maioria das vezes so querem ver um dos lados.

  • A prática de publicar o que o "entrevistado" teria dito e não diretamente a fala deste é uma prática da Veja que usa-a em várias matérias. Geralmente, isso "esquenta" o assunto por uma semana ou mais. Como ela não publicou diretamente a entrevista os "prejudicados" não partem para o ataque direto contra a origem da informação, limitando-se a questionar a credibilidade da matéria, muitas vezes anunciando processos por dano moral, alimentando assim a polêmica, trazendo o assunto para a próxima pauta. Ato contínuo a revista reintera tudo que disse, muitas vezes publicando uma continuação da matéria (agora erguida a categoria de polêmica) e diz ter provas.
    Obviamente, quando os alvos entendem que cairam no "truque" silenciam na esperança de o assunto morrer.
    Não acho isso ruim, nem bom, já que entendo o processo e não me sinto enganado.

    • Olá, obrigado. Gostaria apenas que você se identificasse ao enviar seus comentários. Abs. Orlando

  • hahahaha Você pode não acreditar Orlando, mas só agora vi seu comentário, quase 2 anos depois. E só porque o amigo Marcus me mandou o link falando da coincidência de termos nós dois comentado o mesmo post. Embora, como estamos sempre em contato, suspeito que nem possa ser exatamente uma coincidência, mas algo incidental.
    Quano so nickname, udo faz muitops anos, desde uma época na qual a internet era ainda inocente e honesta e todos usavam nicks, e´poca na qual coisas como Netiquette ainda eram comuns. Mantenho o nick até hoje e não acho esse um problema, pois meu email foi colocado no comentário, assim como meu desértico blog. A propóstio, meu nome de batismo é Roberto, mais informações é só me enviar um email. Um abraço.

    • Legal, me mande o link para o seu blog, não consegui encontrar. Abs. Orlando

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Orlando Barrozo

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