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O canastrão do Grande ABC

Lula é um ator. Canastrão, talvez, mas ainda assim um ator. Tudo o que fala ou faz é estudado minuciosamente pelos seus guias de marketing, até as explosões de “raiva” nas (cada vez mais raras) aparições públicas. Nos últimos meses, a ordem marqueteira indicou-o para o papel de vítima. Foi a saída encontrada pelos roteiristas para tentar desvincular sua figura mitológica da crise em que se envolveram o governo e os políticos em geral.

De repente, sumiu o Lula que estava quase todo dia na mídia – em inaugurações ao lado de sua (ex)protegida, dando ordens a políticos que ajudou a eleger, discursando para acólitos do partido que lhe pertence, entrevistado por jornalistas amigos, recebendo homenagens de instituições estrangeiras. Os fatos de junho geraram um novo personagem, saído da mente criativa dos marqueteiros. Agora, é alguém que nada tem a ver com a dura realidade de 2013 e em cujo mandato conduziu o país a momentos de glória que nunca antes etc. etc. etc.

Não, o enredo não é original. Lembremos que Lula não teve nada a ver com o Mensalão (embora tenha na época até pedido desculpas ao povo brasileiro, em rede nacional de TV). Não ajudou a ressuscitar politicamente eminências como Renan Calheiros, José Sarney e Paulo Maluf. Não abençoou os gastos da Copa, nem deixou de cuidar da saúde, educação etc., direcionando o dinheiro dos contribuintes para empresários amigos. Também não participou das articulações espúrias com os partidos aliados. Abalado por uma doença grave, afastou-se da política. Aqui e ali, a mídia noticiou encontros semi-secretos com Dilma, o marqueteiro e/ou os bajuladores de sempre; dessas reuniões, saíram até algumas críticas, jamais confirmadas, a decisões da presidente. Nada mais.

O Brasil conheceu assim esse novo personagem, o Lula dos bastidores. Um líder sem liderados, já que estes parecem ter evaporado na fumaça dos protestos de junho. Um ex-operário que não pode sair às ruas, sob pena de ser premiado com ovos na cabeça, ou coisas até piores. Um pré-candidato à presidência da República (assim o querem vários segmentos da sociedade) que, de novo seguindo o roteiro dos “criativos”, nega essa hipótese veementemente. Enfim, uma caricatura de estadista, pretenso criador de “postes” que, ou foram avariados, ou não iluminam mais nada.

Foi esse personagem que reapareceu nos últimos dias. Primeiro, num artigo para o jornal The New York Times, assinado por alguém que paira, soberano, sobre uma realidade da qual teima em se esconder. O texto que lhe deram para assinar evoca um Brasil idealizado, do qual Lula parece não fazer parte; os erros foram todos de outros (das instituições políticas, que permaneceram “analógicas” enquanto o mundo se tornou “digital; dos partidos, inclusive o PT, que precisa se modernizar evitando o “paternalismo”); os acertos estão na primeira pessoa (“nós”), recorrendo pela enésima vez ao discurso de que o Brasil nasceu em 2003. Até mesmo os protestos são consequência de sua política: só aconteceram porque hoje os jovens pobres têm dinheiro para comprar carro e também sofrem com os congestionamentos. Antes, quando andavam de ônibus, não sofriam.

Outra reaparição, esta física, aconteceu numa faculdade do ABC, próxima a sua casa. O trajeto curto certamente serviu para evitar o contato “com as ruas”, justamente um dos temas de sua fala aos estudantes. Segundo Lula, cabe aos jovens que discordam dos partidos políticos fazer como ele fez, nos anos 70, e criarem novos partidos. Ao PT, sugere que se reaproxime dos “movimentos sociais”, provavelmente os mesmos que pagaram meia dúzia de desempregados para desfilarem no 11 de julho. “Não reneguem a política nem os partidos”, ensinou. Nenhuma palavra sobre o projeto recentemente patrocinado pelo governo e seus aliados – e engavetado após os protestos de junho – de brecar a criação de novos partidos para concorrerem às eleições de 2014.

Nos apartes a sua fala, estudantes levantaram questões daquelas que políticos adoram para se desviar do que de fato interessa, como a espionagem do governo americano aos brasileiros, a reforma política e até a Faixa de Gaza. Conforme o roteiro, saiu aplaudido e voltou rapidamente para casa.

Enfim, um ator. Talvez coubesse bem numa dessas telenovelas mexicanas.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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