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Cinquentenário de uma velha companheira

No último dia 7 de setembro, feriado nacional no Brasil, em vários outros países houve um tipo diferente de comemoração. Foi o Cassette Store Day, que marcou os 50 anos do lançamento da fita cassete. Segundo o site da CNN, que fez ampla pesquisa a respeito, foi em setembro de 1963 que a Philips colocou à venda, na Holanda, os primeiros exemplares dessa invenção que revolucionou a forma de se consumir música pelo mundo afora.

Difícil explicar isso a um jovem de hoje, mas sem a fita cassete (“cassette”, que em francês, alemão e holandês quer dizer “caixinha”) não haveria o iPod. A história é toda contada pela equipe da CNN neste link, inclusive com imagens cheirando a mofo, provavelmente fornecidas por algum colecionador. Há até a foto de Lou Ottens, engenheiro da Philips que dirigiu a equipe responsável pela façanha de registrar música numa minúscula fita magnética que girava dentro de uma caixa plástica; Ottens, inclusive, faz pose com uma C-60 original da época (esse era o código que identificava as fitas pela metragem, ou “minutagem”, no caso 60 minutos de duração).

O slideshow montado pelos pesquisadores da CNN equivale a uma viagem no DeLorean, o carro de Michael J. Fox em De Volta para o Futuro (será que a moçada de hoje assistiu a esse filme, de 1985?). Lembra, por exemplo, que o grupo de rock californiano Grateful Dead, célebre nos anos 60, chegou a convidar os fãs para registrar, com seus gravadores cassete, o áudio de um show. A prática, condenada pelas gravadoras, claro, foi quase tão comum, em certa época, quanto são hoje os downloads piratas. E graças a isso, aliás, pudemos ter acesso, bem mais tarde, aos famosos bootlegs, gravações piratas de shows ao vivo, uma paixão da qual nenhum fã de rock escapou.

Bastaria esse fato para colocar a fita cassete entre as grandes invenções tecnológicas do século 20. Mas houve muito mais. Nos anos 60, quase todo mundo tinha em casa seu toca-discos de vinil e sua coleção de LPs. Não era raro alguém colocar vários desses discos embaixo do braço para ir a uma festa na casa de um amigo. Operação de alto risco, considerando as dificuldades de transporte (quantos tinham carro?) e a fragilidade do material. Quando apareceu a fita, o problema acabou: podíamos gravar as músicas preferidas de cada disco e, com elas, encher várias fitas, que levávamos no bolso para onde quiséssemos.

Para muitos, a sensação de liberdade que isso representou só se compara, talvez, e para usar outra imagem atual, à montagem de playlists que alguns sites de música oferecem. Em certa medida, a fita cassete foi a mãe, ou avó, do hoje celebrado VoD: cada um podia fazer a sua própria programação, para ouvir quando e como lhe fosse mais conveniente.

A história da tecnologia registra que a fita cassete, com 3,8mm de largura, abriu o caminho para as fitas magnéticas mais largas, como as U-Matic (1/2 polegada) e as VHS (3/4), capazes de armazenar não apenas áudio mas também vídeo. Foi a era do videocassete, que muita gente ainda usa.

Como se sabe, nossa velha companheira foi covardemente derrotada, junto com o LP e o VHS, pelas mídias digitais, a começar do CD – e, aos que se preocupam com a passagem do tempo, lamento informar que isso já foi há cerca de 30 anos. Descobrimos então, com tristeza, que as fitas que “produzimos” com tanto carinho não suportavam o peso dos anos, praticamente derretiam sob altas temperaturas, acumulavam pó e se desgastavam a cada execução. Isso quando não se perdiam nos descaminhos do player, enrolando-se desordenadamente e exigindo a “alta tecnologia” de um lápis – isso mesmo, um lápis ou uma caneta bic – para corrigir seu rumo rebobinando os rolos da caixinha plástica.

Com os CDs, e mais tarde o MP3 e os downloads, tudo isso ficou para trás. As músicas que cabiam em centenas de fitas podem hoje ser carregadas num pen-drive, esse moleque que, desrespeitosamente, nem nos dá o direito de se mostrar por dentro como faziam nossas queridas. Pior: as músicas que levávamos horas, dias até, para gravar na sequência que nossos corações pediam, agora nem precisam ficar conosco; podem ser guardadas na “nuvem”, que a gente nem sabe onde fica, com a promessa de que, com um clique, iremos ouvi-las onde estivermos.

Será mesmo? Pode ser, mas confesso que até hoje não encontrei utilidade melhor para um lápis.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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