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O preço da Justiça

Simplesmente imperdível o documentário de Paula Fiúza sobre seu avô, o grande Sobral Pinto, exibido semana passada na Globo News. Com o brilhante título de “O homem que não tinha preço”, o filme de apenas 44 minutos faz um retrato primoroso desse que é considerado, quase que por unanimidade, o maior jurista brasileiro. Numa época em que advogados – e também juízes, procuradores etc. – parecem se preocupar mais com as câmeras do que com a busca da Justiça, talvez seja difícil para quem não o conheceu entender a importância de Sobral.

Nem tanto pelo que dizia, embora fosse grande orador, mas por suas atitudes. Numa reconstituição minuciosa, o filme mostra como justiça e ética, dois valores tão maltratados no Brasil, eram para Sobral quase como água e ar. Ele simplesmente não se conformava com atos de injustiça, não importando partissem de quem. Também não queria saber quem eram as vítimas, seu passado, suas crenças políticas ou religiosas. Católico e anticomunista ferrenho, seu caso mais famoso veio a ser a defesa de Luiz Carlos Prestes, o maior líder comunista do país, contra a perseguição movida pela ditadura de Getulio Vargas. Foi Sobral quem salvou a vida de Anita Leocádia, filha de Prestes com Olga Benario, episódio que no documentário é contado em detalhes pela própria Anita.

Bem, não vou revelar mais porque quero que todos assistam. Aqui, o link: é obrigatório. Gostaria apenas de lembrar a passagem em que Sobral, ao lhe perguntarem que mensagem deixaria aos jovens, referiu-se aos militares. Para ele, que começou a carreira em 1913, a sociedade brasileira começou a se desestruturar a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando passou a dar muitos poderes às forças armadas. Estas, diz ele, estiveram envolvidas em todas as crises políticas que o país viveu desde então: 1925, 1930, 1932, 1937, 1945, 1954/55, 1961 e, claro, de 1964 a 1985, quando deixaram o poder.

É uma sacada genial. A ânsia do domínio pela força contaminou o país, como é fácil constatar ainda hoje, mesmo sem os militares no comando do governo. Pessoas chegam ao poder para se perpetuar nele e poder usurpá-lo, vestindo ou não uma farda. É, sim, uma herança maldita. Seria interessante ver como o velho democrata reagiria diante desses atentados contra a ética e a justiça, suas amigas inseparáveis.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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