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E lá se foi a interatividade…

Acaba de ser enterrada pelo governo uma das maiores enganações públicas dos últimos anos, que infelizmente custou o esforço (e o dinheiro) de inúmeras empresas e profissionais bem intencionados. O falecido atende pelo nome genérico de GINGA. A confirmação foi feita pelo repórter Luís Osvaldo Grossmann, do site Convergência Digital: os ministérios de Desenvolvimento e Comunicações decidiram que somente 5% dos celulares produzidos no país a partir do ano que vem precisarão vir com o software de interatividade.

O tema é um pouco complexo, mas pode ser resumido da seguinte forma: o governo decidiu dar incentivos fiscais aos fabricantes de celular, para fazer cair os preços. Um dos métodos para ser agraciado seria incluir o Ginga nos aparelhos. Como esse custo, para o fabricante, é inferior às vantagens tributárias oferecidas, valia a pena. Valia, até começarem as pressões das operadoras de telefonia, que são as maiores compradoras de celular. Diante da complacência da Anatel e dos ministérios, as teles não querem mais pagar pelo Ginga.

Quando se reuniram todos para conversar, descobriu-se que, de fato, ninguém queria a prometida interatividade. “O Ginga nunca foi unanimidade”, admitiu Alexandre Cabral, responsável pela área no Ministério do Desenvolvimento. Ora, ora, quem tem boa memória deve se lembrar dos discursos do ex-presidente Lula e de seu ministro das Comunicações, Helio Costa, quando do lançamento da TV digital, em 2006/07. A interatividade seria uma revolução nas telecomunicações, e as pessoas poderiam acessar – em seus TVs e celulares – diversos serviços de grande utilidade pública. Quem acreditou investiu no aprimoramento do software (tecnicamente chamado middleware, já que envolve também componentes), na esperança de que o governo bancaria a promessa.

Desde então, ficou claro que:

1) O Ginga não interessa aos fabricantes, que possuem cada um suas próprias plataformas de interatividade, como se vê nos TVs smart;

2) O Ginga não interessa às operadoras, que compram milhões de celulares e não querem arcar com esse custo extra;

3) O Ginga não interessa às emissoras, que não conseguem rentabilizar esse investimento na forma de publicidade (a única receita na TV aberta);

4) O Ginga não interessa aos anunciantes de TV, pois desvia a atenção do telespectador;

5) E, por fim, o Ginga não interessa ao governo, pois dá muito trabalho e não rende votos nem propinas. Além disso, dificulta o investimento dos fabricantes em receptores de TV digital para celular.

Ou seja, o Ginga virou uma espécie de “Geni interativa”. Ficamos assim: você, que é desenvolvedor de aplicativos e um dia sonhou ver seu trabalho sendo útil às pessoas e lhe rendendo algum dinheiro, como lhe prometeu o governo, não tem agora nem o direito de ir ao velório do falecido. Ninguém quer mais nem tocar no assunto.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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  • Pior que há alguns anos atrás,aqui mesmo no seu blog,mencionei que duvidava que a interatividade fosse acontecer e fui malhado por isso.

    Infelizmente eu tinha razão...

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Orlando Barrozo

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