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Globo, William Waack e os preconceitos

O lamentável episódio envolvendo a Globo e o jornalista William Waack, um dos mais brilhantes do país, talvez entre para a história como um novo paradigma da comunicação. Para o bem ou para o mal, a sociedade já não tolera mais determinadas atitudes antes relevadas como “brincadeira”. E ninguém está imune às consequências, seja uma estrela de cinema ou TV, seja alguém que se pense anônimo e inatingível em seu computador pessoal.

Conheci William nos anos 70, ambos estudando Jornalismo na USP e trabalhando na sucursal paulista do jornal O Globo. Sabíamos que, terminando o curso, uma redação seria pequena demais para seus sonhos e sua capacidade. Atleta e devorador de livros sobre História, queria conquistar o mundo! Não demorou a mudar-se para a Europa e transformar-se no melhor correspondente que qualquer jornal ou revista poderia desejar. Na Alemanha, enquanto cobria o período final da Guerra Fria, frequentou a Universidade para consolidar seus já vastos conhecimentos sobre Política, Economia, Relações Internacionais etc.

Sinceramente, nunca achei que tivesse perfil para ser um apresentador de TV, desses que lêem textos escritos por outros. Mas não é que deu certo? Só poderia ser contratado pela maior emissora do país, com status de estrela e, dizem, plenos poderes. Seu programa de entrevistas na Globo News é, disparado, o melhor há anos. Espanta o domínio que tem sobre os assuntos que aborda, inclusive improvisando diante de especialistas, algo dificílimo – e tão raro, como se sabe, que a maioria dos jornalistas foge do desafio.

Seu perfeccionismo nunca tolerou a incompetência nem a mediocridade, infelizmente características que são mais regra do que exceção. Sabe-se de atritos com colegas na Globo, inclusive de hierarquia superior, levando à fama de “arrogante”. Verdade ou não, fato é que até esta semana William Waack podia quase tudo na empresa onde trabalhava. 

Só que o mundo mudou. A piada racista de William (“é coisa de preto”) já havia sido usada milhões de vezes Brasil afora, por intelectuais e por gente iletrada, pobres e ricos, brancos e cafuzos. Muitos já riram dela, até porque pode ser adaptada pelo autor da ofensa a qualquer designação que lhe convenha. Bastaria trocar, na frase, “preto” por “judeu”, “português”, “baiano” etc., como tantas vezes já ouvimos. O preconceito embutido nessa atitude, que às vezes aparece também em referências religiosas, políticas e de gênero, é sempre abominável. Merece toda repulsa. Aliás, muitos dos que desancaram William agora também explicitaram seus preconceitos nas redes. É hoje o esporte preferido de tanta gente, um jogo que se ganha “no grito”, ainda que virtual.

O episódio só confirma que o suposto “direito à privacidade”, ainda venerado por alguns, virou ficção; foi enterrado há anos. Não é mais hora de brincadeira. Todo mundo está sendo vigiado, o tempo inteiro, mesmo em momentos de intimidade. Um descuido pode ser fatal, e até se combate preconceito com mais preconceito. A internet, como bem definiu recentemente um amigo, é uma espécie de faroeste. As redes sociais são o saloon. E os cowboys de plantão não perdoam, atiram para matar.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

View Comments

  • Caro Orlando.

    Discordo da forma como esse assunto foi conduzido pela Globo.

    1) Eu mesmo, que não sou preconceituoso, já fiz esse tipo de brincadeira quando na companhia de amigos como uma forma de gozação com o próprio preconceito.
    2) O comentário do William Waak pretendia ser reservado.
    3) Para mim, parece suspeito que esse vídeo tenha sido desenterrado depois de ter estado tanto tempo fora do conhecimento do público.
    4) Condenável seria se o Wllliam fizesse comentários racistas em público ou por escrito ou para xingar algum desafeto.
    5) Chamar loira de burra pode. Isso acontece frequentemente e ninguém fica injuriado com isso.

    Enfim, nesta época do politicamente correto tudo serve de pretexto para criar confusão.

    Um abraço
    João Carlos

  • A Globo arrisca-se a perder a única coisa que prestava em sua programação.Antes assíduo no Jornal da Globo,não o assisto mais.A Renata Loprete,embora esforçada,não chega aos pés de Willian Waack.
    Sem o programa Painel,a Globonews perde bastante,também...

  • Gostei do texto e concordo com a ideia. No entanto, gostaria de obtemperar que, embora a atitude discriminatória mereça reprovação e repulsa de todos, afastar William foi uma atitude pouco inteligente e que acaba punindo o jornalismo de qualidade - e põe qualidade nisso! Penso que poderia o jornalista em questão sofrer um gancho de, no máximo, um mês, uma multa contratual pesada e, bem, era isso. Não ficaria impune, sem falar na reprovação social que está sofrendo. É o quanto basta. Deveria voltar ao batente. Afastá-lo indefinidamente só serve para aumentar a execração pública que está sofrendo. Acho que deve sofrer punição, sim, mas dentro de um limite de razoabilidade. Afinal, por mais grave que seja a atitude, William não estuprou, matou ou roubou ninguém: Summum ius, summa iniuria!

  • Orlando, é prazeroso ler artigos assim.
    O comportamento do W. Waack – um dos poucos não influenciados pelos "companheiros" da classe – foi reprovável, mas entendo que a Globo perde um grande profissional (e de alto nível intelectual) ao afastá-lo. O comentário jocoso, por mais infeliz que fosse, não tinha a intenção de ser público, portanto não poderia ser encarado como algo sério, que de fato representasse o ponto de vista do jornalista ou expressasse a opinião da emissora. O Painel era um dos poucos programas inteligentes da G.News (e espero que continue); e o Jornal da Globo agora dá sono.

    Abs.

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Orlando Barrozo

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