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Privacidade: alguém aí se preocupa?

Passou quase desapercebida na mídia esta semana a notícia de que o Serpro – principal órgão federal de armazenamento de dados – está negociando a venda de informações sobre milhões de pessoas para uma empresa americana. O furo do blog Capital Digital mereceria manchetes. Mas, pelo visto, ninguém está preocupado em saber que seus dados pessoais (isso mesmo: endereço, telefone, CPF, conta bancária e sabe-se lá mais o quê) são negociados nesse verdadeiro “mercado negro” em que se transformou o governo da República.

“Esse é um dos maiores escândalos mundiais”, sentenciou o especialista Ricardo Campos, professor de Direito na Alemanha, segundo o excelente site Poder 360. “Como uma instituição pública pode ganhar dinheiro com dados dos cidadãos que foram fornecidos ao Estado por razões eleitorais ou para a prestação de serviços públicos?”, pergunta ele.
Para resumir: o Serpro assinou acordo com uma empresa chamada DrumWave, sediada em Palo Alto (EUA) e fundada por André Vellozo, brasileiro que tem parceria com a IBM. O negócio dessa empresa é a chamada “monetização de dados”, ou seja, ganhar dinheiro utilizando informações sobre pessoas e empresas. Não haveria problema se isso fosse feito às claras, com autorização expressa dos usuários, só que não.

Com o Serpro, tudo foi feito em sigilo (nos EUA, isso daria cadeia). Ninguém conhece os termos do acordo, o que por si só já justificaria uma investigação policial. Afinal, são dados pessoais de milhões de brasileiros e, por definição, confidenciais. Pense na sua declaração de renda, quando abre uma conta bancária ou usa qualquer serviço público. Todos os dados que você fornece vão para o Serpro, que por lei é obrigado a mantê-los como são, ou seja, confidencialíssimos.

O caso é tão escandaloso que até agora, duas semanas após a revelação do blog Capital Digital, nem o Serpro nem seu superior, o Ministério da Economia, deram explicações. Não se sabe quais dados foram negociados nem de quantas pessoas, muito menos o que será feito com eles (pode-se apenas imaginar…), ou se o cidadão que é dono deles irá receber alguma compensação financeira por isso. Nada.

As coisas só pioram quando se trata de acordo feito com empresa que não tem sede nem representante no Brasil; o tal Vellozo mora há mais de dez anos nos EUA. Se um cidadão se sentir prejudicado com o uso de seus dados pessoais, a quem deverá recorrer? Abrir um processo na Justiça americana?

Como mostra a reportagem de Mario Cesar Carvalho no Poder 360, há inúmeras outras questões que precisam ser respondidas pelo Serpro: quanto valem os meus dados? E se eu não quiser que eles sejam negociados? Por que foi escolhida essa tal DrumWave?

É inacreditável – mas nada surpreendente num governo com tantos desmandos – que, em plena vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, tão discutida e atualmente seguida pela maioria das empresas, o próprio governo federal trate de desrespeitá-la.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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