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Mais pobres e mais tristes

Quatro dias depois de Chico Anysio, o Brasil perde Millôr Fernandes. É muita carga negativa para um país só!!! Estamos culturalmente mais pobres, e com certeza o famoso senso de humor do brasileiro perde uns bons pontos.

Em junho do ano passado, quando Millôr saiu de uma de suas várias internações hospitalares, escrevi aqui uma humilde homenagem a este que sempre considerei o maior intelectual brasileiro. Quis também agradecer-lhe por um livro autografado que recebi de presente. Mas cometo agora duas indelicadezas. A primeira é que “Presente”, mesmo, com “P” maiúsculo, foi tudo que Millôr produziu em seus 74 anos de carreira e que tive o prazer de ler, ouvir ou assistir. A segunda: chamá-lo simplesmente de “intelectual” é reduzir sua importância. Quanta gente por aí é apresentada dessa forma (ou se autointitula) sem ter sequer a capacidade de pensar honestamente ou contribuir intelectualmente para a sociedade? Exemplo? Da Academia Brasileira de Letras – que sempre quis ter Millôr como membro, mas da qual ele fugiu dignamente – fazem parte “intelectuais” como um certo José Sarney.

Falando nisso, Sarney era um dos alvos preferidos de Millôr, na sua persistente luta contra a ignorância e os que se aproveitam dela. Mas isso daria outro artigo. Desde que começou como desenhista, com apenas 14 anos de idade, na revista “A Cigarra”, esse carioca do Méier que ainda criança ficou órfão de pai e mãe nunca sossegou diante dos políticos e dos poderosos. Com menos de 18, já era editor da revista, em meio a outros três empregos, pois havia se tornado o artista mais requisitado do Rio de Janeiro. Autodidata, foi acumulando conhecimentos como jornalista, escritor, humorista, cartunista, artista plástico, dramaturgo, tradutor e sei lá que mais…

Antes dos 30 anos, Millôr já aprendera nada menos do que oito idiomas estrangeiros, sendo capaz de traduzir autores que hoje ainda são um desafio para qualquer profissional da área, como o russo Tcheckov, o alemão Brecht, o francês Moliere e até o grego Sófocles. Trabalhando incessantemente para jornais e revistas, ainda arrumava tempo para escrever seus livros e algumas das peças mais importantes do teatro brasileiro, muitas delas (mas não todas) cômicas. Atuou também como apresentador de televisão, na extinta TV Tupi, e detestou o veículo, que considerava “máquina de emburrecer”. Mas foi um dos primeiros de sua geração a aderir, entusiasmado, às mídias digitais. Seu site (vejam aqui) e mais de 280 mil seguidores no Twitter confirmam seu domínio também sobre os veículos online.

Um belo resumo da carreira de Millôr Fernandes está aqui, para quem por ventura não o conheça (infelizmente, há muitos assim). Em meio a todas essas atividades, minha preferida é a de frasista. Sim, Millôr foi certamente o maior criador de frases de seu tempo, muitas delas compiladas neste endereço. São centenas, geniais, e a de que mais gosto é esta: “Nunca conte uma mentira que você não possa provar”.

Como Jobim, Drummond e Chico Anysio, Millôr está na categoria dos insubstituíveis – não importa o que aconteça daqui por diante. Como diz outro mestre, Zuenir Ventura, “o Brasil perdeu a graça”.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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