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Jornalismo chapa marrom

É sempre desagradável, mas extremamente necessário, comentar deslizes da imprensa. Na medida do possível, procuro me restringir, aqui, aos veículos que cobrem a área de tecnologia – meu amigo e mestre Moacir Japiassu dá conta de vasculhar as inúmeras bobagens publicadas por aí. Mas, no clima de competição despudorada em que se transformou a mídia brasileira nos últimos anos, às vezes é difícil passar batido.

Na semana passada, por exemplo, a revista Carta Capital deu mais uma demonstração de seu jornalismo cor-de-burro-quando-foge, ao estampar na capa uma foto do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ao lado de insinuações – sempre elas, as insinuações – de que teria se rendido às pressões da TV Globo e das grandes operadoras de telecomunicações. Bernardo, que (acho) nunca foi capa de revista alguma, ganhou a “homenagem” depois de afirmar que o governo não iria levar adiante o projeto de criar um órgão para o tão comentado “controle social da mídia”. Esse é um velho sonho de grupos dentro do PT e de outros partidos: controlar jornais, revistas, sites, rádios, TVs e tudo mais que julgarem ser contra seu projeto de se perpetuar no poder. Já criaram dezenas de eufemismos para nomear a ideia. E, durante o governo Lula, quase conseguiram levá-la à frente. Com Dilma, a iniciativa foi simplesmente engavetada, sob protestos veementes, quando a presidente proferiu a frase exemplar: “O melhor controle da mídia é o controle remoto.”

Poderia (ou deveria?) ser o ponto final de uma discussão que só interessa a quem não está satisfeito com suas fatias de poder. Um debate que passa quilômetros ao largo do interesse da população em geral, a mesma que vem dando a Dilma índices de popularidade mais altos até que os do próprio Lula (índices esses, por sinal, comemorados efusivamente pelos petistas e seus aliados). “Temos de discutir menos apaixonadamente essa questão da mídia”, disse o ministro ao jornal O Estado de S.Paulo, repetindo o que já dissera algumas vezes a outros órgãos de imprensa. “Entendo que a democracia brasileira pressupõe mídia livre e liberdade de expressão. Não queremos mudar isso.”

Foi esse o “delito” de Bernardo, que evidentemente falava em nome de Dilma. Sem coragem para atacar a candidata à reeleição, Carta Capital elegeu o ministro como autor da iniciativa de enterrar o malfadado projeto. Segue assim, à risca, uma antiga tática de grupos políticos ameaçados de perder benesses: escolhe um “vilão” e concentra fogo nele, acrescentando o detalhe, no caso nada irrelevante, de que estaria a serviço das multinacionais – sempre elas, as multinacionais – e da todo-poderosa Globo (mais detalhes aqui). Ora, se a decisão é de Dilma, por que não colocá-la então na capa da revista e acusá-la de “defender oligopólios” e “dar um presente às operadoras”, como fizeram com Bernardo?

É assim a imprensa brasileira hoje. Em vez de noticiar e interpretar os fatos, ouvindo todos os lados envolvidos, presta um desserviço atrás de outro, atendendo a interesses que não podem ser tornados públicos. E contribui, tristemente, para perpetuar a ignorância que mantém o país entre os piores do mundo em educação, civilidade, no IDH e outros índices que realmente interessam.

PS.: apenas para não passar em branco, devo lembrar que, assim como Carta Capital e vários outros veículos de comunicação, sou totalmente a favor de mudanças na Lei das Comunicações, aquela que permite a propriedade cruzada e favorece o domínio dos políticos sobre as empresas do setor. É bom deixar claro, antes que me acusem também de ser “vendido” a alguém.

Orlando Barrozo

Orlando Barrozo é jornalista especializado em tecnologia desde 1982. Foi editor de publicações como VIDEO NEWS e AUDIO NEWS, além de colunista do JORNAL DA TARDE (SP). Fundou as revistas VER VIDEO, SPOT, AUDITÓRIO&CIA, BUSINESS TECH e AUDIO PLUS. Atualmente, dirige a revista HOME THEATER, fundada por ele em 1996, e os sites hometheater.com.br e businesstech.net.br. Gosta também de dar seus palpites em assuntos como política, economia, esportes e artes em geral.

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