O colega Ethevaldo Siqueira, que há pouco tempo deixou de escrever sua coluna semanal sobre tecnologia no Estadão (mas mantém um blog atualizado sobre o tema), passou anos tentando explicar as privatizações do governo FHC e os benefícios que trouxeram para o setor de telecomunicações. Lamentavelmente, foi combatido até de forma covarde, não por técnicos especializados, mas por políticos, ou seus prepostos blogueiros, que nada entendem do assunto. Praticamente em todas as eleições realizadas desde 1998, quando foi privatizado o antigo sistema Telebrás e alterada a legislação do setor, a política tomou conta da discussão, distorcendo-a e encobrindo o que realmente era (e continua sendo) importante debater.

Em boa hora, vejo que a Agência Câmara, que divulga notícias de interesse dos deputados federais, volta ao tema com pretensões, digamos, menos demagógicas. Seus repórteres foram ouvir especialistas em telecomunicações, gente que critica os rumos tomados pelo processo de privatizações, sem deixar de reconhecer seus méritos – e, principalmente, abandonando o já desgastado chavão da “privataria”, tão comentada e nunca investigada. É leitura obrigatória para quem quer, de fato, entender o que aconteceu no país nestes 14 anos, particularmente agora que tanto se fala em privatizar setores como estradas, aeroportos, portos etc.

Os números oficiais indicam que até hoje foram investidos R$ 260 bilhões pelas operadoras de telecom. Pode parecer muito, mas não é, se formos considerar o tamanho e as necessidades do país. Daria cerca de R$ 1.500 para cada brasileiro, ou R$ 100 por ano!!! Deveria, e poderia, ser muito mais. O problema, a meu ver, nunca foi falta de investimento, mas de uma política estratégica de governo que estimulasse e coordenasse a entrada dos grandes grupos internacionais, os únicos com capacidade financeira para isso.

Na prática, trocamos o antigo monopólio estatal da Telebrás e sua então subsidiária Embratel, por um oligopólio que acabou fragmentado em função das mudanças tecnológicas. Seja na telefonia fixa ou na celular, assim como na banda larga, existe pouquíssima competição. Três ou quatro grupos, quando muito, dominam cada região do país, com o governo e sua agência reguladora assistindo a tudo.

Quem tem mais de 30 anos deve se lembrar que até o início dos anos 90 possuir uma linha telefônica era privilégio. Embora a Telebrás existisse desde os anos 50, a maioria dos brasileiros encerrou o século 20 sem ter telefone; para comprá-lo, era preciso se inscrever numa lista de espera, ou então pagar uma fortuna no mercado paralelo. Como em vários outros setores de infraestrutura, o governo – enforcado até o pescoço com as dívidas interna e externa – não conseguia fazer nada funcionar. Só havia mesmo o caminho da privatização.

Portanto, a decisão de vender as estatais e incentivar investimentos privados para modernizar o país foi correta. Se alguém se beneficiou indevidamente, e isso é mais do que comum no Brasil, já houve tempo suficiente para investigações. Estranhamente, no entanto, os governos do PT, que a cada eleição recorrem ao discurso da “privataria” sem explicá-la, nunca investigaram – o que é sua obrigação.

Deixando de lado o trololó político, vale a pena analisar por que a privatização não conseguiu até hoje resolver o problema das telecomunicações no Brasil. Como bem lembra o texto da Agência Câmara, os objetivos iniciais eram três: incentivar a competição entre as operadoras, promover a universalização (fazer as redes chegarem ao maior número possível de pessoas) e garantir a qualidade dos serviços. Nenhum dos três, como se sabe, foi cumprido. “Os recursos foram aplicados de forma liberada (sic) para as empresas escolherem onde investirem, e elas obviamente privilegiam os locais mais rentáveis, que são os grandes centros urbanos”, diz o pesquisador Rodrigo Abdalla, do IPEA, que coordenou o mais completo estudo já realizado até hoje no setor, o Panorama das Telecomunicações no Brasil. “Com isso, grande parcela da população ficou excluída.”

Matou a charada. Como não havia (e não há até hoje) uma política estratégica de longo prazo, o setor de telecom virou quase uma terra de ninguém. Pretensas metas nunca são cumpridas, programas de investimento servem apenas para discursos, reclamações dos usuários se avolumam. O texto informa que existem hoje mais de 500 projetos de lei tramitando, com a pretensão de resolver problemas pontuais do setor. Exemplos: acabar com a assinatura básica, instalar medidores de consumo nas residências, fornecer informações mais claras aos usuários etc.

Depois de tantos anos fingindo que cuidava dessa área, o governo federal agora vive de atritos e ameaças contra as operadoras. Incentiva a compra de celulares, tablets e notebooks, que cada vez mais estrangulam as redes, e não sabe como incentivar o aumento da infraestrutura. Quer atrair investimentos “no grito”, o que geralmente acaba com alguém falando sozinho. No caso, talvez nem falando, porque não haverá conexão suficiente.

1 thought on “Revendo as privatizações

  1. > para comprá-lo (uma linha de telefone), era preciso se inscrever numa
    > lista de espera, ou então pagar uma fortuna no mercado paralelo.

    Apenas lembrando: na epoca estatal, mesmo se inscrevendo na lista de espera, ainda assim era necessario pagar (mesmo que parcelado em carnet) por essa linha de telefone. Era menos que no mercado paralelo, depois dava direito a acoes… mas o importante é que tinha que pagar. Se a pessoa nao tivesse grana para essa despesa, nao tinha telefone.

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