No jantar depois da demonstração da Philips, eu e meus colegas brasileiros aqui presentes pudemos conversar bastante sobre nossa profissão e sobre algumas figuras que deixaram marcas nas redações por onde passaram. Cada um tem pelo menos uma boa história para contar. E todos lamentam o fato de que o jornalismo cada vez mais dá lugar à picaretagem, às vezes disfarçada de relações públicas ou qualquer outro nome que se queira dar.

Um dos personagens citados recebeu, para teste, um carro fornecido por uma montadora, que deveria ser devolvido depois de algumas semanas. Não apenas não devolveu como simplesmente VENDEU o automóvel. Você não leu errado: o tal “jornalista” negociou o carro que não era seu, na maior cara de pau.

Outro colega, editor de um grande jornal, fez acordo com uma rede varejista de eletrônicos para publicar uma série de matérias sobre equipamentos à venda nas lojas da rede; em troca, equipou toda a sua casa com o melhor da tecnologia. Outro ainda, editor de uma grande revista de negócios, ao ser convidado para uma viagem ao Japão, revoltou-se porque a passagem não era de primeira classe. E deu a ordem para que ninguém mais na editora aceitasse convites desse tipo, política que se mantém até hoje.

Uma revista de turismo publica todo mês que não aceita convites para viagens pagas por companhias aéres ou agências em geral. Além de ser mentira (sei através de pessoas lá de dentro), é uma enorme bobagem: implica dizer que seus repórteres, se aceitassem ter as despesas pagas por outra empresa, dariam em troca somente informações favoráveis. Quem garante? Eu mesmo, aqui em Portugal a convite da Philips, não sofro nenhum tipo de pressão ou limitação no meu trabalho; e sei que os colegas aqui presentes também não sofrem. Nem deixariam que isso acontecesse impunemente.

Já perdi a conta das pessoas que tentei entrevistar e que perguntaram quanto custava a entrevista, sabendo que outros jornalistas cobram por isso. Há também aqueles que ameaçam seus anunciantes com matérias desfavoráveis, caso ousem não publicar seus anúncios. E por aí vai.

Lembrei então de uma história que me aconteceu nos anos 70, quando ainda iniciante no jornalismo. Trabalhando na editoria de cultura do Jornal da Tarde (SP), caiu-me nas mãos o texto de um colunista do jornal, com a recomendação do editor para que eu corrigisse “todos os erros”. Quando fui ver, o autor era um certo Carlos Drummond de Andrade (que, aliás, se assinava simplesmente “C.D.A.”) E lá fiquei eu, tentando achar erros no texto do homem. Claro que não encontrei nenhum, apesar das advertências do meu editor. Mas ficou a lição. Jornalismo é coisa séria, e com coisa séria não se brinca.

Infelizmente, muitos ainda não aprenderam essa lição.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *