Como será o plano de banda larga dos EUA

Por Eduardo Almeida e André Machado*

Apresentado semana passada, o Plano Nacional de Banda Larga prevê conexão à internet de alta velocidade para 90% da população até o fim da década, com pelo menos 100 milhões de lares acessando banda larga de 100 megabits por segundo. Mas calma, que nada disso é no Brasil. O plano de mais de 350 páginas foi apresentado pela FCC (Federal Communications Commision) ao Congresso dos EUA, e reflete a preocupação da administração Obama de que a nação que “inventou” a internet pode estar ficando para trás em relação a outros países que têm acesso mais rápido com preços menores. Em 2009, o governo começou a investir US$ 7,2 bilhões, através dos departamentos de Comércio e Agricultura.

A FCC defende um mundo interconectado, em que serviços de educação, saúde, informações sobre governo e controle de energia estarão na rede. O objetivo é criar uma infraestrutura adequada para essas mudanças e para atender à população que cada vez mais troca antigos meio de comunicação (rádio, televisão, jornais) pela internet.

“A banda larga é um desafio de infraestrutura muito semelhante ao que enfrentamos no passado com os telefones e a eletricidade (ambos tiveram subsídios do governo americano)”, afirmou em entrevista à agência AP Julius Genachowski, presidente da FCC, explicando por que o órgão escolheu o número de 100Mbps. “Porque isso nos tornará o maior mercado do mundo para internet rápida. E significará que, se você for um investidor de qualquer país, virá para cá desenvolver e lançar sua inovação”.

A banda larga de qualidade é vista como fator essencial para o desenvolvimento por diferentes motivos. A FCC fala em criar uma base de atração para empresas que quiserem investir em novas tecnologias. Franklin Coelho, coordenador do Projeto Piraí Digital, diz que, a partir da internet rápida, é preciso fundar “cidades digitais”, que ofereçam serviços públicos online, criando uma sociedade do conhecimento. “Em Piraí (no Sul Fluminense), trabalhamos um projeto de cidade totalmente conectada em rede. Cria-se uma imensa abertura de serviços na área de governo, telefonia voip, segurança, saúde, telemedicina e capacitação online”, exemplifica.

A taxa de penetração da banda larga nos EUA é de 65%, e a média de velocidade das conexões fica entre 3 e 4 Mbps. No Brasil, ainda temos uma porcentagem baixa da população com banda larga (14%) e na sua maioria ela é lenta (66% < 1Mbps) e cara (R$ 162, em média), segundo estudo do Ipea. Nos dois países, os principais motivos pelos quais as pessoas não têm internet rápida são a falta de disponibilidade no local, o preço e a falta de interesse.

Para enfrentar esses problemas, o plano americano propõe subsídios que levem a banda larga a áreas rurais ou mais pobres, onde não há incentivo econômico para a implantação de redes pelas empresas privadas, pois o público consumidor seria pequeno. Além disso, deverá ser criado um set-top box universal que conectará internet e televisão a cabo. O plano também prevê que cada comunidade nos EUA tenha uma instituição “âncora” (escolas, bibliotecas ou hospitais) com conexão de 1Gbps.

Franklin Coelho fala da importância dessa iniciativa. “Para termos um computador por aluno, precisamos de um servidor dentro da própria escola, o que muda todo o paradigma educacional. O mesmo vale para pontos de cultura com música, vídeo etc”.

Além de precisar do apoio de operadoras de telefonia, como Comcast e AT&T, empresas sobre as quais não tem qualquer ingerência, a FCC precisará domar as grandes redes de televisão. Para levar banda larga a áreas rurais, o órgão pretende apostar em internet sem fio, o que exigiria a realocação de parte das frequências hoje em dia usadas pelas redes de TV. Franklin Coelho elogia a ideia, argumentando que essas redes sem fio “reorganizam o território”, integrando distritos mais distantes aos centros dos municípios, com novas formas de manutenção online e  videoconferência, facilitando a administração da cidade.

A FCC também quer reescrever as complicadas regras de telecomunicações dos EUA para permitir que um fundo originalmente criado para universalização de celulares seja usado no subsídio à banda larga. Esse dinheiro vem de uma sobretaxa que usuários pagam em ligações de longa distância. O Brasil vive polêmica semelhante, com o Congresso discutindo formas de finalmente reverter a verba do Fust (Fundo de Universalização das Telecomunicações) para… a universalização das telecomunicações. Pela nova proposta, já aprovada no Senado, o fundo, hoje com R$ 7 bilhões, poderia ser revertido para serviços privados, entre eles telefonia móvel, banda larga e TV por assinatura.

A FCC não estima o custo total do plano americano, mas sugere que os recursos podem vir dos leilões de frequências, que podem chegar a US$ 20 bilhões. A indústria sem fio têm hoje cerca de 500 megahertz do espectro nos EUA. A FCC espera liberar mais 500MHz na próxima década e 120 desses megahertz viriam da TV aberta. O argumento é que muito do conteúdo das grandes redes já está indo para a internet, e hoje elas têm frequências ociosas.

Mas as redes argumentam que já perderam mais de 100MHz ao fechar sinais analógicos na passagem para a TV digital. Elas pretendem utilizar as frequências atuais para transmitir sinais de alta definição, canais múltiplos e TV para celular, laptops e carros. As empresas que dominam o setor de banda larga nos EUA reagiram de forma positiva ao plano. A US Telecom, associação que representa as companhias telefônicas, elogiou a FCC por reconhecer que “será através de investimentos e inovação do setor privado que os objetivos da banda larga serão alcançados”.

Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV e presidente do iCommons, acredita que o plano americano traz modelos interessantes, que podem inspirar o modelo brasileiro. “Primeiro a questão da multiplicidade de tecnologias e o foco em wireless, com a ambiciosa meta de que os EUA deverão ter a maior rede wireless de todos os países”.

Ronaldo argumenta que “uma infraestrutura sem fio incentiva um ecosistema de empresas e serviços que precisam ser desenvolvidos para aproveitar essa rede, o que de imediato já representa um estímulo econômico, com ênfase em inovação”. Ele segue uma crítica feita pelo presidente da FCC aos complicados planos das operadoras, que deixam o consumidor sem saber exatamente qual a velocidade que contratou. “Há uma grande distância entre a velocidade anunciada e a real. Uma das coisas que o plano recomenda é transparência em relação à velocidade real, para que os consumidores saibam o que estão comprando e possam avaliar diferentes opções”, disse Genachowski à AP.

Para Ronaldo, há uma diferença crucial entre os casos americano e brasileiro. Lá, a infraestrutura de rede foi construída basicamente com recursos do setor privado, o que gera discussões como a cobrança de valores mais altos de sites que trafegam muito conteúdo (como Google e Yahoo), criando uma distinção de tarifas dependendo do conteúdo enviado que prejudica a concorrência. Aqui, onde a rede foi construída com recursos públicos e privados, essa discussão não faria sentido: “A rede teria de ser, pela própria natureza do investimento, neutra e não discriminatória. Nesse sentido, essa é outra lição importante dos EUA. Mesmo considerando a predominância do investimento privado na construção da rede por lá, a FCC tem-se posicionado no sentido de proteger a neutralidade e a competitividade no acesso à rede.

*Artigo publicado em O Globo, em 26/03/2010