O desafio da banda larga popular

Por Antonio Ribeiro Santos*

O governo acaba de assinar com as empresas concessionárias de telefonia a revisão dos contratos de concessão, depois de intensas negociações que resultaram na oferta da banda larga popular (BLP) em todo o país e não somente em alguns estados, como já vinha ocorrendo. A BLP permitirá a massificação da banda larga, contribuindo para que um grande contingente de brasileiros, atualmente digitalmente excluídos, possa ser inserido no mundo da chamada era da informação.

A BLP tem como principais atributos: velocidade de 1Mbps, preço máximo de R$ 35 com impostos e R$ 29,90 sem impostos, e pode ser adquirida individualmente, sem vinculação com qualquer outro serviço. A velocidade garantida pelas empresas é significativamente menor do que a estabelecida, mas há o compromisso de, gradativamente, elevarem o seu valor para padrões mínimos compatíveis com os internacionalmente praticados, nos próximos três ou quatro anos.

A oportunidade da medida é indiscutível, tanto por facilitar o acesso da população de mais baixa renda à internet quanto pela preocupação de que os serviços tenham padrões aceitáveis, aderentes às expectativas dos usuários e condizentes com a publicidade que deles se faz. E, nesse particular, a regulamentação apresenta lacunas importantes, que é oportuno serem corrigidas. Isso pode ser constatado pelas frequentes manifestações públicas de entidades ligadas à defesa do consumidor e por reclamações dos usuários, às quais o governo procura dar uma resposta.

Contudo, as soluções a serem adotadas não são simples, pois envolvem tanto aspectos técnicos objetivos (velocidade efetiva mínima e média) como subjetivos (percepção da qualidade). E um grande desafio para o regulador é criar instrumentos que atendam aos anseios e necessidades dos usuários sem inviabilizar as condições econômico-financeiras dos projetos a serem executados pelas prestadoras dos serviços.

A definição de parâmetros mínimos ou máximos é uma tarefa sensível, principalmente porque a utilização das redes aumentará de forma expressiva nos próximos anos, por vários motivos: em função do crescimento do número de usuários; dos aplicativos que serão colocados à sua disposição; da redução dos custos unitários da transmissão dos dados; dos incentivos que o governo deverá criar para reduzir a brecha digital; da progressiva familiaridade da população com os novos serviços e sua utilização; do crescimento da renda per-capita etc.

Assim, a regulamentação deverá levar em conta a dinâmica do comportamento dos usuários e a evolução tecnológica das redes e dos aparelhos por eles utilizados que, certamente, será um marco da corrente década. Para tanto, é essencial que tal regulamentação esteja associada a um processo de planejamento cuja consolidação ocorrerá com a formalização de um Plano Nacional de Banda Larga com abrangência de médio e longo prazo.

Ao se falar de qualidade, envolvendo a oferta de serviços em larguíssima escala, é fundamental considerar a questão dos custos envolvidos: qualidade tem preço. Como os recursos são limitados e o mercado a atender é gigantesco e diversificado, haverá momentos de decisão em que se deverá fazer avaliação da relação custo-benefício. Nas circunstâncias atuais do país, parece não ser uma boa estratégia punir o quantitativo e a abrangência do atendimento em função de parâmetros de qualidade por demais exigentes. Mas, não se pode esquecer que o padrão de consumo dos usuários, de modo geral, a cada dia fica mais elevado.

Por outro lado, importa considerar que sempre haverá mercado para serviços diferenciados, cujo atendimento é importante não só pela sua necessidade e oportunidade, mas porque eles podem ter níveis de rentabilidade superiores que permitam às empresas investir em projetos de menor retorno. Em qualquer circunstância, a existência de um planejamento de médio e longo prazo, com metas colocadas pelo governo, facilitará enormemente as decisões que as prestadoras deverão tomar e permitirá atender melhor ao mercado nos seus diversos segmentos — atacado, varejo, governo e, mesmo, em alguns casos de universalização (mercados sem viabilidade econômica).

Qualquer planejamento será mais efetivo se for baseado em dados, análises e avaliações com maior precisão. A Anatel tem um bom corpo de colaboradores próprios. Mas diante da magnitude e especificidades da missão, é oportuno que a agência considere a possibilidade de lançar mão de colaboração externa: por exemplo, a de centros de pesquisa e de estudos de universidades; a de institutos ou fundações governamentais, ou mesmo, de consultorias privadas.

Ela poderia ser bastante útil na formulação de modelos tecnológicos, operacionais e econômicos; nos levantamentos e na análise de dados comportamentais dos usuários; na avaliação de tendências tecnológicas e regulatórias; no tratamento de dados estratégicos do desenvolvimento nacional etc. Além disso, seria de grande valia observar a experiência internacional. Isso pode aumentar o nível de segurança das decisões e resultar em economias expressivas nos gastos a serem feitos, tanto para o governo quanto para as empresas que, ao fim, são as responsáveis pela prestação dos serviços.

Um ponto adicional para reflexão diz respeito à forma como a agência reguladora tratará as prestadoras no contexto de um processo competitivo. O mercado tende a punir o fornecedor cujos serviços sejam de baixa qualidade. Independentemente de outras medidas que o usuário possa tomar, a mais drástica para a empresa é perder o cliente para a concorrente. Mas, para que essa liberdade dos usuários seja real, a regulamentação não deve criar empecilhos e, até, deve incentivar a existência de empresas em quantidade e capacidade suficientes para que o processo de competição seja efetivo.

Nesse aspecto, deve considerar as desigualdades que existem entre grandes e pequenas prestadoras; entre prestadoras consolidadas e novas entrantes; entre as que têm poder de mercado e as que não têm; e entre as características dos mercados por elas atendidos. Essa tarefa constitui-se num dos desafios do imenso trabalho que tem de ser desenvolvido em um espaço de tempo que é curto.

*Professor da UnB, atuou em diversas prestadoras de serviços de telecomunicações no Brasil.

Publicado no Correio Brasiliense em 25/07/2011