O que está em jogo na implementação de 4G no Brasil

Por Edileuza Soares

A menos de três anos para a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, um grande jogo vem sendo disputado nos bastidores sobre a infraestrutura de telecomunicações necessária para a transmissão das competições. De um lado está a presidente Dilma Rousseff, que garante que o país terá 4G para suportar o grande volume de tráfego de dados durante o mundial de futebol e já definiu a data do leilão.Do outro, o time das teles, protestando contra as condições impostas para a construção das novas redes e pedindo adiamento da licitação. Elas querem mais tempo para avaliação dos padrões para entrar no campo do Long Term Evolution (LTE), tecnologia que é a evolução do 3G.

O leilão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para venda das licenças de 4G será no próximo ano. O edital estabelece que a faixa a ser adotada para o LTE no Brasil será a de 2,5GHz e determina um prazo de 12 meses, a partir da assinatura dos contratos, para que o serviço entre em operação nas 12 cidades que irão sediar a Copa do Mundo. Como a previsão é que a licitação seja em abril de 2012, o serviço deverá estar disponível a partir de 2013.

As teles reagiram contra o cronograma e o uso da faixa destinada. Elas querem trocar a frequência de 2,5GHz pela de 700MHz, que atualmente é utilizada pelas empresas de radiodifusão, e poderá ser alocada para prestação de serviços de banda larga móvel, quando a TV analógica migrar para a tecnologia de alta definição. Esse espectro estará livre em 2016, gerando o chamado dividendo digital para as operadoras de telecomunicações.

Durante o Futurecom 2011, o presidente da TIM, Luca Luciani, argumentou que um dos motivos de a faixa de 700MHz ser a mais adequada é porque o volume de investimentos é cinco vezes menor do que o necessário para projetos 2,5GHz. Segundo ele, o valor cai por causa do número de antenas, 4,5 vezes inferior. Oi e Vivo também defendem a adoção da faixa de 700MHz para 4G. Representantes das teles dizem que o certo seria o adiamento do leilão, ou a sua realização sem vincular o uso da tecnologia, deixando que cada empresa decida que frequência adotar. Em alguns países, as redes de LTE estão sendo construídas com projetos híbridos. A AT&T, por exemplo, lançou serviços com espectro de 1,7GHz e 700MHz. A TIM, na Itália, fez um mix de 2,5GHz e 700MHz.

Entre os quatro grupos que operam telefonia móvel no Brasil, a Claro, do grupo mexicano América Móvil, é a única favorável à realização do leilão em abril de 2012. O presidente da companhia informou que a empresa tem 10 bilhões de reais para investir no país até o final do próximo ano e que uma eventual mudança das datas da licitação traria prejuízos ao país na realização dos megaeventos esportivos: Copa do Mundo e Olimpíadas. “Estamos nos preparando para ter uma rede de acesso totalmente IP, com mais de 8,5 mil roteadores instalados, utilizando prioritariamente a fibra óptica como meio de transporte, totalizando mais de 89 mil quilômetros de fibra construídos. Isso possibilitará à Claro criar uma plataforma robusta para o lançamento da futura rede 4G”, afirma Márcio Nunes, diretor de Plataformas e Redes da Claro.

A Anatel não se posicionou sobre a reivindicação das teles. Mas durante o Futurecom o conselheiro da agência, João Batista Rezende, disse que o Brasil tem de decidir antes sobre o uso da frequência 2,5GHz, já que a de 700MHz ficará ociosa só em 2016. Como o Brasil tem data para ter 4G por causa da Copa do Mundo, o mercado vive um impasse.

Para o diretor da 4G Americas para América Latina e Caribe, Erasmo Rojas, esse conflito é mais político. Ele analisa que as duas faixas podem ser usadas nos serviços 4G, como outros mercados estão fazendo. “A Anatel tem de descobrir já o que fazer com a faixa de 700MHz. A maior preocupação é o problema de interferência com o sinal de TV, mas é importante saber onde elas estão disponíveis”, diz o executivo.

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, garantiu que o leilão de 4G seguirá o cronograma, como está previsto no Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU 3). Segundo ele, quem não participar da disputa vai perder espaço no mercado porque haverá novos investidores interessados em entrar no Brasil. “Embora elas estejam queixosas e reclamonas, acho que as operadoras vão se preparar e entrar no leilão”, disse. Nessa briga, o governo anunciou que a rede da Telebrás vai operar com 4G durante a Copa do Mundo para atender serviços públicos e também vender capacidade às teles.

Impacto nos investimentos

“Queremos que o Brasil tenha tecnologia móvel de ponta para trafegar dados com mais velocidade que as redes atuais, mas achamos prematuro pensar agora em 4G”, diz Mario Girasole, diretor de Assuntos Regulatórios da TIM. Ele avalia que a implementação de LTE nas condições que o governo está querendo pode não ser efetiva. Seu argumento é que a frequência de 2,5GHz é boa para regiões urbanas, mas ineficiente para áreas mais distantes. Girasole aponta que outro problema para a adoção de 4G no Brasil é a carência de fibra óptica, com cobertura que não alcança nem 15% do País. “Vamos ter gargalo e problema na última milha. Tem de haver coerência entre capacidade eletrônica e antenas. Temos um grande desafio para ter LTE”, diz o diretor da TIM, que sugere que o leilão seja postergado. Ele observa ainda a falta de terminais para essa tecnologia não só no Brasil como no mundo. A solução que ele aponta para a Copa do Mundo são redes HSPA+, ou seja, 3,5G, combinadas com Wi-Fi controlada.

O governo federal promete resolver a falta de fibra óptica com a criação de um Regime Especial de Tributação com desoneração de IPI, PIS e Cofins para novos projetos de rede de banda larga no Brasil. Com a medida, haverá renúncia fiscal de 6 bilhões de reais. O ministro Paulo Bernardo espera que a proposta estimule as operadoras a adiantar 20 bilhões de reais dos cerca de 70 bilhões de reais que o setor estima investir em infraestrutura entre 2012 e 2016.

Especialistas concordam com essas diferenças, embora afirmem que a performance e a velocidade dos dados independem do uso dessas duas faixas. Segundo o diretor de Marketing e Soluções da Huawei do Brasil, Marcelo Motta, a frequência de 2,5GHz é alta e o seu raio de cobertura é menor. Já a de 700MHz é um espectro baixo com área de cobertura cinco vezes maior. “Do ponto de vista econômico, faz mais sentido ter LTE em 700MHz”, opina Motta. Para o presidente da Alcatel Lucent, Jônio Foigel, a frequência de 2,5GHz é muito boa para levar serviços 4G para cidades, mas para grandes coberturas o mais indicado é 700MHz, que é o caso do Brasil, um país continental. O diretor de tecnologia para a América Latina da Nokia Siemens Networks, Wilson Cardoso, acha que para os estádios onde serão disputados os jogos da Copa o ideal seria a faixa mais alta de 2,5GHz.

Cardoso diz que o leilão precisa ser favorável, com preços que não atrapalhem os planos de investimentos das teles, que ainda estão envolvidas com as obrigações de 3G. Porém, ele acha que com a expansão rápida por dados, de crescimento médio de 60% ao ano, vai esgotar a capacidade das redes atuais em 2012. “A Copa de 2014 precisa de 4G ao menos nas 12 cidades que sediarão os jogos. Teremos muita gente de fora e as redes 3G ficarão esgotadas”, reforça o executivo da Nokia Siemens.

A gerente de soluções para desenvolvimento de mercado da Ericsson Brasil, Amanda Lopes, que estudou a transmissão de dados da Copa do Mundo de 2010, disputada na África do Sul, lembra que as conexões pelos celulares geraram grande impacto na rede. Segundo ela, as conexões pelos smartphones aumentaram dez vezes, comparadas às registradas no mundial de futebol da Alemanha em 2006.

“Na Copa do Brasil, todos vão querer baixar vídeo”, diz Amanda, que acredita que no país o tráfego também registrará crescimento de dez vezes e que as redes precisam estar dimensionadas.

Para Rojas, o melhor caminho que o Brasil deverá seguir para atender ao compromisso de transmitir bem a Copa do Mundo é se preparar para o leilão de LTE para suprir as grandes cidades com 2,5GHz e chegar a um entendimento sobre a faixa de 700MHz para as outras regiões. Em paralelo, ele recomenda investimentos agressivos nas redes HSPA+.

Na avaliação de Motta, o Brasil vai abraçar rapidamente o HSPA+ para aumentar a capacidade das redes de dados. Ele aponta pesquisas que mostram que a cobertura de 3G hoje no País é 75% nas grandes cidades, mas com presença de apenas 25% em 4,1 mil municípios brasileiros, o que demonstra que ainda há muito espaço para expansão dos serviços de 3,5G. Nesse caso, os gastos com atualização são em cima da infraestrutura existente e para ampliação do backbone.

Até abril do ano que vem, o Brasil terá de encontrar soluções para todas essas questões. Diferentemente de 3G, dessa vez o país deverá entrar na nova tecnologia juntamente com os demais mercados. As primeiras redes 4G começaram a ser implementadas em 2009 e hoje existem apenas 27 em operação, distribuídas por 19 países. Os serviços de LTE ainda estão em teste na América Latina, com pilotos inclusive no Brasil.