Entre tantas frases e personagens geniais, Nelson Rodrigues criou o Imponderável de Almeida, jogador fictício que, segundo Nelson, entrava em campo nos momentos mais inesperados para decidir os jogos. Há outra frase, esta atribuída a Paulo Francis: “O otimista não passa de um mal informado”. Puxo aqui pela memória os dois grandes jornalistas para tentar entender o que aconteceu com a seleção brasileira na Copa.

Depois de ler e ouvir várias interpretações e explicações, chego à conclusão de que o “craque” inventado por Nelson entrou no Mineirão na semana passada para fazer soar um alarme. Como bem lembra o economista Eduardo Gianetti, o país todo cometeu um “autoengano”, deixando-se iludir pelo marketing político/esportivo e pelo falso patriotismo – nossos atletas foram, de longe, os que melhor souberam cantar o hino antes das partidas. Esqueceu-se o mais importante: não temos jogadores, muito menos time.

Como aquele devoto fervoroso que vai à igreja todo domingo e na segunda-feira sonega impostos ou tenta passar a perna num cliente, os brasileiros acharam que era possível ganhar, literalmente, no grito (o grito do hino que a torcida encampou, a capella, em todos os jogos) ou na malandragem. O “sou brasileiro, com muito orgulho” soou como contrafação do velho “Prá frente Brasil”, que por sua vez era filho dileto do jurássico “Deus é brasileiro”.

A torcida, dentro e fora dos estádios, entrou no clima das campanhas publicitárias que se repetem em toda Copa, abençoadas com generosas verbas públicas e, claro, combinadas alegremente com a cobertura ufanista da mídia – sim, essa mesma que no dia seguinte aos 7×1 já estava crucificando jogadores e comissão técnica.

Enfim, o triste espetáculo foi encenado, como virou rotina a cada quatro anos, e, fora da cena, poucos se lembraram de reparar que o futebol brasileiro nesta Copa não foi muito diferente do que temos visto há anos. A seleção de Felipão em 2014 pouco fica devendo à de Dunga (2010) e à de Parreira (2006). E, se formos mais atrás no tempo, encontraremos seus clones com Telê em 1986 e Lazaroni (1990). Mesmo as campeãs de 1994 e 2002 estiveram longe de empolgar.

Está mais do que provado que, em vários campos fora do futebol, o Brasil mudou – para melhor ou pior, dependendo do ângulo de análise. No futebol, como na música (só para citar um exemplo), poucos duvidarão que pioramos miseravelmente. Basta ligar a TV num domingo qualquer e comparar um jogo mediano da Premier League inglesa ou da Bundesliga alemã com outro do Campeonato Brasileiro para, mesmo sem ser especialista, enxergar o abismo que nos separa dos europeus. Sim, lá eles também têm seus problemas, mas estão aprendendo a resolvê-los: recentemente, o presidente do Bayern de Munique foi condenado a três anos de prisão por trambiques nas finanças do clube (e está preso mesmo!).

Quando os brasileiros pararem de encarar o futebol como algo semelhante a um tapete, que encobre nossos variados tipos de lixo (humano, inclusive), talvez encontremos a saída. Recorro agora a dois outros grandes jornalistas e cronistas, estes da nova geração, que me encantaram com textos sensíveis sobre a vergonha que o futebol acaba de nos fazer passar. Cada um a seu estilo, Eliane Brum e Antonio Prata me representaram em suas agudas observações.

Mais do que levantar a poeira e dar a volta por cima, como propõe a presidente Dilma, talvez esteja na hora de aprender a “torcer sem distorcer”. Responsáveis pelas derrotas vergonhosas somos todos os que cultuamos a fé e o otimismo desmedidos, como se fossem exclusividades brasileiras, e esquecem que o craque Imponderável de Almeida está sempre pronto a entrar em campo. Especialmente quando a arrogância se sobrepõe ao talento e ao esforço verdadeiros.

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