Não sou especialista em varejo, muito menos e-commerce, mas analisando os números que vêm sendo divulgados desde quarta-feira, quando estourou a notícia do “rombo” na Americanas.com, suspeito que a situação seja preocupante.

Como vimos, a empresa que durante décadas foi meio que sinônimo do comércio brasileiro (fundada no Rio de Janeiro em 1929) deu um tombo da ordem de R$ 20 bilhões em seus acionistas. Entre estes, há bilionários como os sócios do grupo G3 Capital – dono do Submarino, Ambev e Burger King, entre outros – e também milhares de acionistas minoritários; além, é claro, de grandes bancos que vêm financiando a brincadeira há mais de dez anos.

Crises em qualquer empresa são comuns, e esperadas, especialmente num cenário de tantas incertezas como o Brasil vem enfrentando desde 2014. Executivos são (bem) pagos para driblar essas dificuldades, mantendo em dia suas dívidas e gerando lucros aos acionistas. Mas crises (ou “inconsistências”, como citou a direção da Americanas) nunca surgem de repente. Uma boa gestão é capaz de enxergar os perigos e adotar medidas preventivas. Como sabe qualquer administrador, tomar gigantescos empréstimos bancários não é uma delas.

Lembrando casos dos anos 80 e 90

Sem conhecer a empresa por dentro, só é possível afirmar que nenhum executivo que se preze deixa um rombo chegar a R$ 20 bi (ao finalizar o texto, recebi a informação de que pode chegar a R$ 40 bi). O caso me fez lembrar as falências de grandes redes varejistas entre os anos 80 e 90, na era pré-internet. G.Aronson, Marabraz, Mappin e outras deixaram dívidas imensas junto a bancos e também a fabricantes de eletrônicos – além de milhares de pessoas desempregadas.

Ouço especialistas em varejo dizendo temer que o problema da Americanas também atinja outras grandes do e-commerce. Citam nomes como Magalu, Mercado Livre, Via (Casas Bahia), Carrefour, Renner. Se mais uma delas pipocar como a Americanas, teremos, aí sim, uma crise de proporções estratosféricas. Como curioso, fui consultar o site da Bovespa, que publica regularmente os dados sobre evolução das ações. E encontrei coisas interessantes.

Como se sabe, nos anos de 2020/21, devido à pandemia, as lojas virtuais bateram recordes de vendas. A partir de julho de 2021, no entanto, os valores das ações das grandes redes começaram a despencar. Além da queda nas vendas, algumas empresas haviam investido pesado em novos sistemas para dar conta da demanda, inclusive contratando muita gente e tomando financiamentos bancários, com juros em disparada (comentamos sobre isso aqui). Provavelmente, alguns não fizeram direito suas contas, e os problemas começaram a surgir.

Ações do e-commerce vêm dando prejuízo

Por mais que se demonize o mercado de capitais, uma coisa é certa: os valores das ações, quando analisados ao longo de determinado período (no mínimo, 6 meses) refletem as informações que os investidores têm sobre a gestão das empresas. Vejam o quadro (os números estão em reais):

Empresa Cotação em Cotação em Prejuízo
Americanas Jul/20: 118,67 Jan/23: 3,54 97%
Magalu Jul/21: 23,90 Jan/23: 3,49 85%
Mercado Livre Set/21: 83,37 Jan/23: 45,60 45%

Conclusão: há pelo menos um ano os investidores sabiam que as empresas de e-commerce estavam perdendo valor de mercado. E muitos vêm perdendo dinheiro com esse tipo de ação. A pergunta agora é se outras gigantes – a maior delas é a Mercado Livre, sobre a qual comentamos aqui – cometeram os mesmos erros da Americanas e, portanto, seus acionistas estão sob risco. Neste link, o ranking atual delas. Não valem afirmações precipitadas, com base apenas nos dados dos últimos dias. Só o ano de 2023, com a repercussão das mudanças na política econômica do novo governo, é que dirá.

Em tempo: nem a todo-poderosa Amazon escapa do vendaval pós-pandemia. As cotações dos títulos BDR, usados para empresas estrangeiras, caíram de R$ 55,21 em novembro de 2021 para R$ 24,98 agora em janeiro.

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