Como recuperar a rede Ponto Frio

Por Giseli Cabrini*

Muitos dos problemas do Ponto Frio devem ser resolvidos no curto e no médio prazo com a aquisição pelo Pão de Açúcar. Juntas as duas redes estimam capturar uma sinergia de 500 milhões de reais com economias de escala. Como segunda maior rede de varejo de eletrodomésticos, atrás apenas da Casas Bahia, o poder de fogo para negociar com os fornecedores crescerá bastante. As empresas também poderão reduzir despesas com a integração de áreas como a administrativa, a jurídica ou a de tecnologia, entre outras.

Ao mesmo tempo, não são esperados problemas para a fusão de gigantes obter o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Segundo o ex- conselheiro do órgão e professor da área de concorrência e regulação da FGV, Arthur Barrionuevo Filho, trata-se de um caso de complementaridade – e não de concentração de mercado.
A fusão ainda permitirá que o Ponto Frio passe a ter uma gestão mais profissional. Segundo especialistas, desentendimentos entre sócios e o fato de Lily Safra – a controladora do Ponto Frio – morar na Europa criaram um abismo entre o poder decisório e a operação.

Já o presidente do conselho do Pão de Açúcar, Abílio Diniz, é reconhecidamente um dono muito mais próximo ao negócio – e não há por que pensar que será diferente com o Ponto Frio. Mais do que colocar recursos financeiros ou trazer know-how, Abílio Diniz deverá injetar ânimo na equipe responsável pela gestão da empresa. Por último, o atual presidente do Pão de Açúcar, Cláudio Galeazzi, é apontado pelo mercado como o principal responsável pela virada tanto do Pão de Açúcar quanto de sua subsidiária no Rio de Janeiro, o Sendas. Ex-consultor da rede, Galeazzi é conhecido por cortar custos e racionalizar processos. Nesta segunda-feira, em entrevista à imprensa, ele estabeleceu como meta recuperar também o Ponto Frio.

De mico a coringa?
Por outro lado, o Pão de Açúcar ainda terá diversos desafios pela frente. O primeiro deverá ser o reposicionamento estratégico de mercado. Segundo especialistas, um dos principais erros do Ponto Frio foi ter se situado em uma posição de mercado intermediária entre as classes C e B.

“A rede acabou por ser conhecida como o top do pop e o pop do top”, afirma o coordenador do Núcleo de Varejo da ESPM, Ricardo Pastore. Já seus principais concorrentes, a Casas Bahia e o Magazine Luiza, sempre assumiram o foco na classe C, que cresceu muito durante os governos Lula e FHC e ajudou na expansão dessas varejistas.
Caberá a Abílio Diniz e Claudio Galeazzi encontrar o posicionamento ideal para a rede. “O consumidor precisa se identificar com o perfil e com o formato da loja”, afirma o coordenador de projetos da FGV Projetos, José Bento Carlos Amaral Júnior.

Além de encontrar um nicho, o fundador da Global Brands, José Roberto Martins, avalia que o Grupo Pão de Açúcar precisa estudar cuidadosamente se o modelo adotado pelo Ponto Frio realmente funciona ou se já está obsoleto. “O que precisa ser analisado é se ainda há espaço para uma rede que comercialize apenas um mix restrito de produtos e se vale a pena manter um negócio, nos moldes atuais, com altos custos de estoque”. O Pão de Açúcar afirma que continuará a atuar com a bandeira Ponto Frio nas 455 lojas compradas.

Para especialistas, no entanto, nas lojas que apresentarem resultados ruins nos próximos meses, o grupo poderá trabalhar outras marcas, como Extra Perto e Extra Eletro. Já no Rio de Janeiro, onde o Ponto Frio é forte, não faria sentido mudar a bandeira. “Para o carioca, Ponto Frio é sinônimo de eletrodomésticos e eletroeletrônicos”, afirma o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Lourival Kiçula.

Internet e crédito
Outros desafios do Pão de Açúcar incluem melhorar as formas de financiamento oferecidas aos clientes do Ponto Frio e expandir a rede de comércio eletrônico. “Hoje não basta apenas vender um produto, é preciso agregar serviços a ele. O Pão de Açúcar tem muita expertise nisso, particularmente, em políticas de financiamento, facilidades e formas alternativas de pagamento”, afirma o coordenador da FGV Projetos.

Em relação à internet, tanto Pão de Açúcar quanto Ponto Frio estão bem atrás da B2W, a empresa resultante da fusão entre Americanas.com e Submarino. Mas o Ponto Frio tem uma presença um pouco mais significativa em alguns nichos.”Apesar da B2W estar à frente, o Pão de Açúcar pode aproveitar a expertise do Ponto Frio no varejo de informática”, diz o diretor da Acomp Consultoria e Treinamento, especializada em varejo, Antônio César Carvalho de Oliveira.

Prejuízo
Os resultados do primeiro trimestre de 2009 espelham os problemas da operação do Ponto Frio. A Globex, empresa que controla a rede, encerrou os primeiros três meses do ano com prejuízo de 30 milhões de reais, contra um lucro tímido de 1,8 milhão de reais apurado em igual período do ano passado.

Apesar das sinergias entre as redes Extra e Ponto Frio e da vice-liderança no segmento de eletrodomésticos, o grupo Pão de Açúcar continuará bem atrás do líder nesse setor. A Casas Bahia ainda será um gigante poderosíssimo a ser batido.

Para provar que a aquisição do Ponto Frio não foi apenas o trampolim perfeito para desbancar o Carrefour e voltar a liderança do varejo brasileiro, o Pão de Açúcar não poderá fugir da batalha com a Casas Bahia e terá de encontrar alguma forma de vencer a luta.

*Publicado no Portal Exame em 09/06/2009