A banda larga do governo. E a nossa!

Por Orlando Barrozo

Como já havia acontecido na época da TV Digital, o lançamento do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) está despertando muita gente para discutir esse assunto, que é de importância fundamental para o País. É ótimo que se discuta um problema – sim, banda larga no Brasil ainda é um problemão! – e que se defina o que, de fato, querem os maiores interessados, os usuários. E é louvável a iniciativa do Ministério das Comunicações, que pela primeira vez abre o tema para discussões e contribuições, através de seu site. Desta vez, sim, é justo afirmar que “nunca antes neste país” houve esse tipo de abertura.

Evidentemente, não sei (e acho que ninguém sabe) até que ponto as eventuais sugestões apresentadas serão levadas em conta quando for a hora de colocar o plano em execução. Mas este é o momento de debatê-lo, certo? Partindo dessa premissa, acho que todos – consumidores, técnicos, empresários, jornalistas, formadores de opinião – devemos parar para pensar o que significa, ou pode significar, um serviço de banda larga eficiente na vida de uma nação.

O primeiro questionamento que me vem à mente é o de que o governo não pode, não tem o direito, de empurrar para a sociedade um sistema em que as implicações políticas se sobreponham aos interesses da maior parte da população. Uma das melhores notícias dos últimos anos foi a incorporação à faixa de consumo de uma enorme quantidade de brasileiros que antes sequer sonhava com os benefícios da tecnologia. Essas pessoas precisam ser atendidas com um serviço eficaz, que lhes abra o acesso a mais informação, pois essa é a única forma de conseguirem a tão comentada (e pouco praticada) cidadania.

Como sabemos, o povo brasileiro é mal – muito mal – educado. Há décadas que o sistema educacional do País foi loteado entre amigos do poder, que construíram verdadeiros impérios na forma de edifícios suntuosos onde o que menos se faz é ensinar e aprender. Essa é uma realidade dura, e que levará outras tantas décadas para ser alterada. A possibilidade de contarmos com uma rede de telecomunicações, incluída aí a internet de alta velocidade, que facilite o livre acesso à informação é, a meu ver, uma maneira de compensar, ou amenizar, o trauma de anos e anos perdidos com um ensino de quinto mundo.

Se é verdade que estamos na era da informação, nada mais importante do que ser livre para acessá-la por todos os meios disponíveis. E a banda larga é hoje o principal instrumento para isso. A pergunta que cabe é: será que o atual governo deseja mesmo essa liberdade para todos? Os primeiros sinais que chegam de Brasilia, onde um grupo foi formado para produzir o PNBL, são preocupantes. O presidente, que não é especialista no assunto, nem poderia ser, parece encantado com a idéia de espalhar conexões de banda larga por todos os municípios brasileiros, como se para isso bastasse estalar os dedos.

Num certo sentido, Lula tem razões para isso. Do alto de sua popularidade (e essas coisas realmente sobem à cabeça), ele deve estar se lembrando do que aconteceu com os bancos. Uma de suas primeiras providências, ao ser eleito em 2002, foi garantir aos banqueiros que não mudaria os rumos econômicos do País. A tal ponto que, num discurso anos atrás, chegou a afirmar que “nunca antes neste país os bancos tiveram tanto lucro”.

Apesar disso, Lula teve a sensibilidade de perceber que, no comando de dois dos maiores bancos brasileiros (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), poderia ele mesmo interferir no mercado financeiro sem ser acusado de trair a promessa feita em campanha. Com os dois bancos estatais baixando os juros e estimulando o crédito, o País começou a andar mais rápido do que todos imaginavam, inclusive durante o período de recessão mundial. Como se vê, foi uma sábia decisão do presidente.

Corta agora para o setor de telecomunicações. A idéia de criar uma nova empresa estatal – ou reativar a finada Telebrás – para comandar o serviço de banda larga parece emulação do que ocorreu no mercado financeiro. Mas os que têm mais de 35 anos devem se recordar de como funcionava o antigo sistema Telebrás. Linhas telefônicas eram vendidas no mercado negro, a peso de ouro; pessoas desesperadas passavam horas em filas à espera de uma mera promessa de conseguir sua linha; e empresas como Telesp, Telerj, Telesc e tantas outras teles estatais foram transformadas em enormes cabides de emprego para os amigos dos poderosos da época.

Não é coincidência que o auge dessa farra aconteceu entre os governos Figueiredo e Sarney, nos anos 80. Sim, Sarney, o mesmo que aí está, mandando e desmandando. Antes que alguém me acuse de estar defendendo as privatizações, deixo logo claro que considerei (e considero) um equívoco a forma como o setor foi leiloado, no governo FHC. De fato, o Estado não tinha dinheiro para manter os elefantes brancos em que se transformaram as estatais do setor, e vendê-las a grandes grupos privados, inclusive multinacionais, era a única saída para que as telecomunicações brasileiras não entrassem em colapso. Mas trocar o velho oligopólio estatal por um outro oligopólio, privado, foi um erro pelo qual nós, usuários, estamos pagando muito caro.

É preciso saber agora se o atual governo deseja mesmo uma volta àqueles tempos, ou se olha para a frente e quer de fato modernizar o País. No meu entendimento, essa modernização passa necessariamente por um cronograma de longo prazo, que não se baseie no calendário eleitoral. E que inclua os seguintes pontos:

1) Definição de regras claras para todos os participantes desse jogo: operadoras (grandes e pequenas), provedores, fabricantes de equipamentos e acessórios, prestadores de serviço etc.

2) Nomeação de um corpo técnico acima de qualquer suspeita, que pode ser buscado em órgãos como o CPqD, as universidades de ponta e mesmo a Anatel, para planejar e executar o PNBL.

3) Redefinição do papel da Anatel como agência reguladora e fiscalizadora, livre de ingerências tanto políticas (por setores do governo e dos partidos) quanto econômicas (pelas operadoras e os grupos a que estão ligadas).

4) Eliminação, preferencialmente via leis modernas e sintonizadas com o que se pratica no Primeiro Mundo, de qualquer risco de monopólio ou oligopólio no setor, de tal modo que a inegável criatividade dos técnicos e dos empreendedores brasileiros possa ser mais útil ao País.

Utopia? Pode ser. Como disse anteriormente, o noticiário que chega do Planalto não é muito animador. Mas alguém também já disse que cada povo tem o governo e os políticos que merece. Agora que foi aberta a porta para debater uma questão que tem tudo a ver com nosso futuro, e o de nossos filhos, ninguém tem o direito de recusar a oportunidade.

Banda larga rápida e a custo acessível é um direito de todos nós, cidadãos e contribuintes, e nenhum governante – não importa qual seja a sua popularidade – deve ter o poder de vetar esse direito.

Cabe a nós, usuários, participar e pressionar para que isso não aconteça.