Na discussão política online, o vencedor é radicalismo

Por Pedro Doria

A internet é uma máquina de conversas. Foi criada para isso. Permite com tecnologia barata que pessoas em pontos geográficos os mais distantes se encontrem em um ambiente virtual para trocar ideias. Mas, embora gostemos de comparar nossos cantos favoritos da rede com uma mesa de bar, não é exatamente a mesma coisa. Num ambiente público do mundo real, não controlamos quem vem e quem vai. Na rede, esse controle é possível. Há o blog de direita e o blog de esquerda. Há no Twitter quem é de um lado e do outro.

A polarização na rede se dá assim: as pessoas procuram conversa com aqueles que concordam com seus pontos de vista. É um processo que cientistas sociais conhecem há muito tempo. E ele extrapola. Num ambiente onde só pessoas que pensam igual convivem, o radicalismo é premiado. Não é difícil perceber. Numa conversa com estranhos em lugar neutro, buscamos sempre a cordialidade, o caminho do meio. Com nossos amigos, no meio do jogo de futebol, todos queremos gritar mais alto. Transmite uma ideia de pureza de ideais. De que um é mais fiel ao time do que o outro. É um valor.

Pois foi isso o que ocorreu na internet brasileira durante esta campanha eleitoral. Ao invés de conversar, militantes de um lado e do outro se isolaram em seus sites favoritos. Entraram num processo de reafirmar suas convicções. Uns gritaram mais alto. Em vez de se isolarem, viraram líderes. Os mais puros. O passo seguinte é transformar em demônio seu adversário. Não é mais alguém que pensa de forma diferente os caminhos do País. É um vilão, alguém a ser derrotado, esmagado, anulado.

Polarização é um processo natural dentro de uma sociedade. E não é, necessariamente, ruim. Em momentos de ruptura, ela é necessária. O fim de uma ditadura é um caso. O movimento pela Abolição, em finais do século 19, é outro exemplo histórico. Se um grupo não se polariza, não se radicaliza, um processo traumático pelo qual a sociedade precisa passar não acontece.

Mas o Brasil não vive um momento de ruptura. Pelo contrário: vive há oito anos um momento de inclusão. Discutir como este processo se dará daqui para a frente é necessário. Só que não conseguimos fazê-lo durante a campanha. Pena. Foi uma oportunidade perdida.

Porque esta é outra característica da radicalização. Quando a conversa deixa de ser um papo sobre visões distintas de caminho e assume a bobagem do mocinho e bandido, o resultado é maniqueísmo. Uma conversa simplista. Quem ganha é quem não quer realmente botar o assunto em pauta. E tem gente assim em ambos os lados da discussão. Sujeitamos toda conversa às fórmulas desenhadas pelos marqueteiros.

A internet tem tudo para se transformar numa estupenda máquina de educação e conversa política. Mas, para isso, precisaremos todos amadurecer. E isto quer dizer buscar ambientes nos quais convivem pessoas com quem não concordamos. Em alguns, seremos expelidos. Noutros, alguma hora, alguém se mostrará disposto a conversar.

Daí vem o pulo mais importante: entender que ter uma opinião diferente, mesmo que uma opinião muito diferente, não quer dizer falta de caráter. Democracia não é a ditadura da maioria. Democracia real é quando as minorias têm espaço pleno para se manifestar, quando são ouvidas com atenção e respeito.

*Artigo publicado em O Estado de S.Paulo em 03/10/2010