Por Daisuke Wakabayashi*
Segundo a empresa de pesquisas Strategy Analytics, Samsung e Apple respondem atualmente por 54% do mercado mundial de smartphones. As marcas japonesas – incluindo as maiores do setor: Sony, Sharp, Panasonic e Fujitsu – têm apenas 8%. Num esforço para recuperar terreno, os fabricantes japoneses estão dobrando a produção de smartphones, com variados graus de ambição.
A Sony é quem mostra maior agressividade, depois de não conseguir ganhar o mercado na década passada com a problemática joint-venture Sony Ericsson. Agora livre dessa parceria, o atual CEO Kazuo Hirai prometeu fazer dos smartphones o pilar do grupo. Panasonic, Fujitsu e Sharp (as três maiores no mercado japonês de celulares) não esperam mais do que um modesto retorno na cena global, da qual abriram mão justamente na era dos chamados feature phones.
De qualquer modo, uma nova investida global não será fácil, especialmente numa indústria que requer constante inovação. “Estamos numa situação complicada, tanto no mercado interno quanto no externo”, admite Hideaki Kawai, diretor da Panasonic responsável pela área financeira.
Dentro e fora da indústria, costuma-se citar vários fatores pelos quais as empresas japonesas perderam essa oportunidade: foco excessivo no mercado local; lentidão e falta de flexibilidade para se adaptar às dinâmicas condições do setor leitura errada das preferências do consumidor; e uma dose de arrogância em relação à superioridade de seus produtos. Nos anos 1990, os celulares japoneses eram considerados maravilhas tecnológicas, recheadas de inovações. Em 2000, a Sharp foi a primeira a lançar um modelo com câmera integrada.
Já em 2006, um ano antes do lançamento do iPhone, os usuários japoneses podiam assistir à TV Digital através de seus celulares. No entanto, apesar de todos os avanços, os fabricantes locais não conseguiam enfrentar a finlandesa Nokia e a americana Motorola no mercado internacional. Tinham despejado toda a sua produção no mercado interno, que utiliza um padrão de telecomunicações único no mundo. Para vender no Exterior, as empresas precisariam modificar seus aparelhos.
Isso atrasou sua entrada em outros países, além de causar dificuldades no relacionamento com as operadoras telefônicas, ao contrário da coreana Samsung, que forjou parcerias ao redor do mundo e trabalhou rápido para fornecer produtos de acordo com cada mercado. Na verdade, os fabricantes japoneses estavam ganhando dinheiro num mercado doméstico protegido, e a expansão para fora do país era vista como arriscada.
Essa mentalidade de olhar apenas para o próprio umbigo acabou valendo aos celulares japoneses o apelido de “Galápagos”, referência às criaturas que Charles Darwin descobriu nas ilhas sul-americanas e que serviram de base a sua teoria da evolução das espécies. Os celulares japoneses mais populares costumavam ser compridos, numa versão mais fina dos modelos antigos, de uso fixo. Possuíam diversos recursos, mas muitos destes eram úteis apenas no Japão, como a possibilidade de usar “dinheiro digital” para fazer compras, pagar passagens de trem e ônibus ou funcionar como agenda eletrônica.
A chegada do iPhone, em 2007, mudou tudo. Enquanto o resto do mundo via o produto da Apple como aquilo que realmente era – um divisor de águas na indústria – executivos japoneses o desconsideravam, acreditando que seus celulares já eram suficientemente inteligentes. Em julho de 2008, pouco depois do lançamento do iPhone no Japão, Tadashi Onodera, executivo-chefe da KDDI, segunda maior operadora do país, chegou a dizer que o aparelho “não poderia satisfazer as necessidades dos usuários japoneses”. Três anos depois, já sob nova administração, a KDDI começou a oferecer o iPhone, que se tornou seu smartphone mais vendido.
“As empresas japonesas não souberam ler o mercado”, diz Ryuji Ono, sócio da consultoria Roland Berger baseado em Tóquio. “Elas não estavam observando o resto do mundo.” Hoje, os smartphones respondem por 56,6% de todos os telefones móveis vendidos no Japão, segundo o instituto de pesquisas MM. Apple e Samsung ficaram com mais de 20% das vendas no último ano fiscal; cinco anos atrás, mal havia marcas estrangeiras no país.
Quando os fabricantes japoneses decidiram embarcar nessa onda (os primeiros smartphones do país com sistema Android surgiram em 2010), a Samsung já tinha inundado a Europa e os EUA com uma ampla variedade de modelos, incluindo o Galaxy S, de padrão high-end. Acuados em seu próprio território, os principais nomes da indústria japonesa não tiveram opção se não tentar de novo o mercado externo.
Em 2010, NEC, Casio e Hitachi uniram forças numa joint-venture dedicada a explorar o segmento de celulares. No mesmo ano, a Toshiba vendeu sua divisão de telefones à Fujitsu, e a Sony comprou a parte da sueca Ericsson na joint-venture que ambas mantiveram por vários anos, o que deu aos japoneses controle total sobre um negócio deficitário.
Mas as coisas continuam difíceis. No último trimestre, todas – Fujitsu, NEC, Sharp, Sony e Panasonic – anunciaram prejuízos em suas divisões de aparelhos móveis. Pior ainda: Sony, Panasonic e Sharp estão se afastando do negócio de televisores, incapazes de suportar mais uma competição cerrada. “A era de ouro da TV acabou, e a TV nunca mais será o produto principal entre os eletrônicos de consumo”, disse Kunio Nakamura, ex-presidente da Panasonic, em entrevista ao jornal Nikkei, no mês passado.
Recentemente, a Panasonic lançou na Europa um novo smartphone chamado Eluga, à prova d’água, com expectativa de vender 1,5 milhão de unidades neste ano fiscal. A NEC Casio, que vende nos EUA o modelo G’zOne, à prova de choque, planeja entregar 2 milhões de aparelhos fora do Japão, o que equivale a 40% de toda a sua meta de vendas. Já a Sharp está focando no mercado chinês, mas não especifica quantos de seus 7,7 milhões de smartphones irão para fora do Japão.
No caso da Sony, a maior parte da produção já é vendida em outros mercados. Com uma boa oferta de novos modelos este ano, a empresa pretende entregar 34 milhões de unidades em todo o mundo, superando a meta de suas quatro concorrentes somadas. A empresa pretende focar nos modelos que aproveitam conteúdos de entretenimento da própria Sony, como videogames.
Numa prova de como mudou a atitude no país, Kaoru Kato, presidente da operadora NTT DoCoMo, apareceu recentemente numa entrevista carregando um smartphone Samsung Galaxy. Isso seria impensável três anos atrás: o presidente da maior operadora japonesa, que pertence ao conglomerado NTT Corp, do qual um terço é propriedade do governo japonês, usando um telefone coreano.
“O Galaxy está vendendo muito bem no Japão”, explicou mr. Kato. “De fato, tem muito apelo”. O executivo disse usar o modelo da Samsung porque foi o primeiro a adotar a rede 4G da DoCoMo, neste verão. Mas disse que poderá trocá-lo por um Sony ou Fujistu futuramente. “Não estou querendo ser garoto-propaganda da Samsung, mas esse aparelho possui uma tela muito bonita. Tudo nele é melhor”, comentou.
*Texto publicado originalmente em The Wall Street Journal, em 16/08/2012.