Terminei de ler “O Livro do Boni”, autobiografia de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que durante 21 anos (1977-1998) dirigiu a Rede Globo. Tanto o tema quanto o personagem são ótimos, e por isso o livro é altamente recomendado. Para quem, como eu, trabalha com comunicação e gosta de estudar o assunto, é leitura obrigatória. Curiosamente, o livro foi lançado num momento em que a Globo atrai sentimentos os mais contraditórios, por ser o veículo de mídia mais importante do país, aquele que todos, especialmente os políticos, gostariam de ter sempre a seu lado.

Não é de hoje que está na moda criticar a Globo. A emissora causa polêmica desde quando entrou no ar, em 1965, apoiada num esquema suspeito com a editora americana Time-Life. Era, e ainda é, ilegal no Brasil um veículo de comunicação financiado por estrangeiros. Com o sucesso, principalmente a partir de 1969, aumentaram não apenas a audiência e o faturamento, mas também as críticas, vindas de setores que não conseguem ser agraciados com a cobertura global. Embora seja o maior grupo de comunicação do país e pague os melhores salários (talvez até por esses mesmos motivos), a Globo continua sendo atacada, agora nas redes sociais, como responsável por quase tudo de ruim que acontece (leiam este artigo).

O livro de Boni ajuda a entender, em parte, como a emissora fundada por Roberto Marinho chegou a esse estágio. É, ao mesmo tempo, campeã de audiência (absoluta, desde 1972) e campeã de comentários negativos na imprensa e, nos últimos tempos, em blogs, sites, Facebook, Twitter etc. O ex-diretor-geral reconhece os problemas em relação à Time-Life, embora na época o Congresso tenha realizado longa investigação e chegado à conclusão de que o negócio não era ilegal (Congresso também suspeito, diga-se). Aponta ainda vários outros erros da emissora ao longo de sua trajetória, como a parcialidade na eleição de 1982, quando Leonel Brizola tornou-se governador do Rio de Janeiro; a má avaliação do movimento Diretas-Já, em 1984, que a emissora se recusou a cobrir (por ordem expressa de Marinho); e a distorção proposital, na ilha de edição, do célebre debate entre Fernando Collor e Lula, na eleição presidencial de 1989.

Como protagonista de todos esses episódios, Boni narra detalhes nunca antes divulgados, e só por isso o livro merece ser apreciado. Foi, sem dúvida, o principal responsável pelo chamado “padrão Globo de qualidade”, expressão que ele jura ter sido inventada fora da emissora. “Ao contrário da TV americana, que herdou talentos e técnicas de Hollywood, a TV brasileira nasceu e se desenvolveu com gente do rádio, do teatro e do circo”, conta Boni, detalhando como a falta de estrutura e de dinheiro obrigou os pioneiros a improvisar e apelar para a criatividade. Ele começou em 1952, aos 17 anos, na TV Tupi, fundada dois anos antes, e – além de passar por quase todas as outras emissoras importantes (Excelsior, Bandeirantes, TV Rio) – foi também sócio de uma agência de publicidade e de uma das primeiras produtoras de vídeo do país.

Para mim, como leitor, a descrição desses primórdios da televisão é o melhor do livro. A lista de verdadeiros gênios que abriram o caminho para as realizações da Globo é enorme. Assim como Boni, muitos aprenderam nas outras emissoras os segredos para construir a primeira grande rede nacional de televisão. Nesse caminho, houve muita intriga, fofoca, brigas de poder, traições. Lamentável, para o país, é que nenhuma das concorrentes da Globo jamais conseguiu chegar sequer próximo, tanto em audiência quanto em qualidade da programação. Não foi por falta de dinheiro nem de apoio do governo, como muitos insinuam. Pura incompetência.

E incompetência, como diz Boni no livro, é algo que nunca foi admitido na Globo.

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