m,arco civil

 

Já dizia De Gaulle que “política é uma coisa importante demais para ser deixada nas mãos dos políticos”. Quanto mais leio e converso sobre o Marco Civil, que o Congresso ensaia votar há meses, mais me convenço de que a internet está na mesma categoria. Tudo ia razoavelmente bem enquanto especialistas discutiam o assunto; quase havia consenso de que o país precisa, mesmo, de uma legislação moderna e avançada sobre o tema, preservando a essência dessa mídia – a liberdade do usuário – e prevendo as devidas responsabilizações para quem fizer mau uso dessa liberdade.

Bastou ser transformado em projeto de lei (hoje com o número 2126/2011) para o Marco Civil ser abocanhado por políticos, de vários partidos, que tentam fazer do texto mais uma moeda de troca em suas negociatas. Despreparado tecnicamente e fragilizado diante de tantos escândalos de corrupção, o governo só podia mesmo chegar aonde está hoje: de joelhos diante da chamada “base aliada”, que há tempos deixou de ser “base” e se revela cada vez menos “aliada”.

Os dois pontos cruciais do projeto são os artigos 9, que trata da neutralidade da rede, e 20, sobre a responsabilização dos provedores. Neutralidade é tema polêmico no mundo inteiro, pois significa tratamento igual para todos os usuários e fornecedores de conteúdo, independente do que produzam ou acessem. É o motivo, por exemplo, da briga entre a Netflix e as teles americanas, que não acham justo fornecer de graça suas estruturas de rede para a empresa faturar milhões com a distribuição de filmes. Os dois lados têm argumentos defensáveis.

Mas neutralidade significa mais do que isso. Colocada em lei, impediria que qualquer órgão de governo invadisse os dados de um usuário, a não ser em caso explícito de ameaça à segurança de outras pessoas ou empresas. É exatamente o que vem fazendo a NSA, agência de segurança do governo americano, contra a qual se voltam todas as pessoas e instituições que defendem a liberdade na rede.

Já a questão da responsabilização me parece ainda mais perigosa. O texto original que está no Congresso prevê que um provedor de internet não pode ser responsabilizado caso um usuário utilize sua conexão para ofender ou difamar. Como bem lembra o repórter Luiz Osvaldo Grossmann, do site Convergência Digital, vale aqui a analogia com os carteiros, que jamais podem ser culpados pelo conteúdo das correspondências que entregam. Alguns políticos, porém (sempre eles), são contra; querem derrubar o artigo 20, apelando para o antiquíssimo pretexto do “ataque à honra”, como se já não houvessem leis suficientes a respeito.

O assunto realmente é complicado, daí por que talvez seja mesmo o caso de deixá-lo em discussão por mais algum tempo, de preferência com maior envolvimento da sociedade. Agora mesmo, o “pai da internet” Tim Berners-Lee divulgou apelo para que o texto original seja aprovado como está, no que deve ter sido orientado por amigos brasileiros ansiosos por esse desfecho (duvido que Lee tenha lido a proposta). Mas faz parte: se é para ouvir especialistas, ninguém mais qualificado do que ele.

Como quase tudo na vida, porém, o marco civil – que tem até um site dedicado a defendê-lo – sugere inúmeras leituras e interpretações. Inclusive porque mexe com interesses variados, alguns até inconfessáveis. Ao leitor que se preocupa com isso, sugiro os artigos abaixo:

Marco civil da internet pode prejudicar startups

Marco civil prejudica solução extrajudicial

Definições sobre a neutralidade da rede

Opiniões sobre marco civil dividem internautas

Texto original do projeto de lei 2126/2011

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