Digital x analógico. Mentira x transparência. Atire a primeira pedra quem nunca escondeu a verdade… A frase cabe bem ao que talvez seja o maior escândalo na história do áudio, protagonizado pela cultuada gravadora americana Mobile Fidelity (MoFi, para os íntimos) e que, como tudo hoje em dia, viralizou no YouTube e nos fóruns especializados pelo mundo.

Sei que “textões” estão fora de moda, mas acho que esse caso merece por suas várias implicações. Começou com Mike Esposito, dono de uma loja de discos de Phoenix (Arizona), divulgando no dia 14/07 um vídeo acusando a MoFi de usar masters digitais na prensagem de seus vinis. Ele citava “fontes” de dentro da gravadora, reconhecida nos meios audiófilos pela qualidade superior de seus discos, nos quais sempre coloca o selo Original Master Recording.

No dialeto audiófilo, a expressão significa que as prensagens são feitas com a fita master original, analógica, já que viceja nessas comunidades a crença de que todo áudio original é de má qualidade, ou no mínimo suspeito. Discos assim, portanto, são mais valorizados. Após a circulação do vídeo, a MoFi não parou de receber mensagens de consumidores dizendo-se “traídos” após comprarem seus discos durante anos acreditando ser de fonte analógica.

Engenheiros revelam: era tudo digital

E qual foi a resposta? John Wood, diretor da MoFi, ligou para Esposito e convidou-o a visitar suas instalações, na cidade de Sebastopol, norte da Califórnia. Ali, Esposito pôde conhecer em detalhes todo o processo de masterização e prensagem dos discos da MoFi, acompanhado por três engenheiros da gravadora. Com a maior naturalidade, os três simplesmente confirmaram que são utilizadas versões digitais, e não as fitas originais. Voltando para Phoenix, Esposito gravou um segundo vídeo, cuja repercussão foi ainda maior que a do primeiro.

Seguiu-se o que o jornal Washington Post chamou de “crise existencial” da comunidade audiófila. Os engenheiros revelaram que essa é uma prática comum entre todas as gravadoras, inclusive as mais conceituadas, e por um motivo fácil de entender: quem quer prensar 20, 30 ou 50 mil cópias de um vinil não pode usar as fitas originais, pois essas se desgastam a cada vez que rodam no player.

 

 

Não é à tôa que as grandes obras e os maiores sucessos da música mundial têm seus masters originais guardados até em cofres; para reedições e remasterizações, as gravadoras usam cópias de serviço, feitas especificamente para essa finalidade. E há mais de dez anos que a maioria dessas cópias são salvas em arquivos digitais, justamente para poderem ser replicados sempre que necessário sem perdas no conteúdo original.

Tudo isso é fartamente conhecido e divulgado há décadas entre os especialistas. O revival do vinil, porém, fez surgir um novo tipo de negacionismo, aquele em que alguém jura que tal gravação é melhor porque foi tirada de um master analógico. “Eles foram desonestos”, comentou para o Post o cineasta novaiorquino Richard Drutman, que diz já ter adquirido mais de 50 álbuns da MoFi, cujos preços chegam a ser três vezes mais altos que um vinil convencional. “Eu nunca teria comprado um úníco disco deles se soubesse que o master era digital”.

Já Michael Fremer, jornalista especializado em áudio hoje com 75 anos e meio que guru dos audiófilos americanos, ficou furioso, segundo o Post, não com a mentira da MoFi, mas com o fato de terem convidado Esposito, e não um jornalista do setor, para a tal visita. Vale lembrar que Esposito não é nem nunca alegou ser jornalista!

O próprio Esposito explicou, após a polêmica, que na verdade nada tem contra os discos da MoFi, alguns deles incluídos em todas as listas de “estado da arte” em qualidade de gravação. “Se eles dissessem claramente que se trata de master digital, não haveria problema. Todo mundo sabe que os discos deles são excepcionais. A questão é não ser transparente com os consumidores”.

4 mil dólares por um vinil “raro”

A essa altura, o estrago já estava feito. Milhares de clientes estavam procurando as lojas para devolver discos da MoFi, e há risco de ações judiciais movidas por colecionadores que chegam a pagar 3 ou 4 mil dólares por um vinil tido como “raridade”. Eles vão querer ser indenizados pela fraude.

A questão que se coloca, além da ética, é se o tal negacionismo – ou os exageros em torno da controvérsia digital x analógico – não está passando dos limites. A maioria dos experts com quem tenho conversado admite que, com a tecnologia de hoje, é quase impossível diferenciar de ouvido uma gravação analógica de uma digital. O velho mito de que o vinil preserva as características originais do registro só é levado a sério hoje por alguns ingênuos – muitas vezes estimulados por espertalhões que ganham dinheiro em cima dessa ingenuidade.

Como disse um usuário ao Post: “Essas pessoas vivem dizendo que têm ouvidos superiores e podem perceber diferenças entre uma gravação analógica e uma digital… bem, fica claro agora que elas não têm essa capacidade”.

A quem se interessar, este é o link para a história completa contada pelo Washington Post. Parte da reportagem foi traduzida por este site brasileiro. E aqui o link para o vídeo original que deu início a toda a polêmica.

2 thoughts on “Vinil: fraude no áudio analógico

  1. Caro Orlando.

    Deixando de lado a questão ética, minha opinião é de que a propalada superioridade do som analógico sobre o digital por parte de alguns especialistas na matéria, e outros nem tanto, é uma questão de gosto pessoal. Eu diria que essa superioridade não existe. Um meio não é melhor do que outro, eles são apenas diferentes em sua sonoridade. Por outro lado, o resultado sonoro final depende muito da qualidade do equipamento de gravação, dos microfones e seu posicionamento e da competència técnica e da sensibilidade das pessoas envolvidas no processo e, na outra ponta, do equipamento usado na sua reprodução. Quanto â Mobile Fidelity, ela sempre se destacou pela excelente qualidade dos seus discos e conta, certamente, com equipamentos do mais alto nível para extrair digitalmente toda a qualidade das matrizes analógicas, ajudando ao mesmo tempo a presenvar essa qualidade ao evitar que sejam copiadas repetidamente.

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