O mundo das apostas sempre caminhou lado a lado com o crime, organizado ou não. Já vai longe o tempo dos bicheiros que, especialmente no Rio de Janeiro entre as décadas de 50 e 80, enriqueciam à custa da (boa?) fé alheia e financiavam atividades como o Esquadrão da Morte, ancestral dos atuais milicianos. Hoje, na era dos hackers, bitcoins e da pirataria online, temos uma indústria gigantesca, multinacional e bem armada de tecnologia, realimentando o jogo – literalmente.

Não tenho opinião formada sobre a volta dos cassinos, moralismos à parte, mas sei que a multiplicação das plataformas de apostas, reconhecidas pelo sufixo bet, já atinge ares de praga. Ancoradas em servidores fora do Brasil, se tornaram anunciantes poderosas de sites e emissoras de TV especializados em esportes. Se o simples incentivo eletrônico ao jogo já pode ser enquadrado como crime (no sentido de que atinge usuários indefesos), o fato de serem empresas suspeitas, que não recolhem impostos no país, dispensa maiores explicações.

Qualquer pessoa que já teve na família um viciado em jogo sabe como esse problema social pode rapidamente fugir de controle. Basta ir a Las Vegas ou Punta del Este para testemunhar centenas, milhares de “nóias” que não conseguem sair das mesas de jogo, às vezes atravessando noites inteiras e ali deixando tudo que têm no bolso, no cartão de crédito e muito mais. Há casos de pessoas que perdem joias, carros e até apartamentos…

Especialistas apontam para esses dependentes o mesmo tipo de terapias aplicadas em casos de alcoolismo e até de drogas pesadas. Não é por acaso que um jornal respeitado como o inglês The Guardian está anunciando que não aceitará mais anúncios de empresas de betting. A justificativa não poderia ser mais clara: “Muita gente gosta da aposta ocasional, mas o surgimento dos aplicativos de apostas 24/7 em smartphones, anunciados em campanhas de bilhões de dólares em todas as formas de mídia, está colocando verdadeiras máquinas caça-níqueis nos bolsos de todo mundo”, diz Anna Bateson, executiva-chefe do Guardian Media Group (vejam aqui).

Onde as plataformas de aposta são proibidas

Em países como Itália e Bélgica, as plataformas de betting já foram proibidas, e segundo o Guardian o mesmo caminho deverá ser seguido por Reino Unido e Austrália, onde vêm aumentando os casos de depressão e outras doenças mentais causadas pela desordem financeira na vida dos apostadores. O governo britânico acaba de proibir as plataformas de usarem figuras conhecidas do esporte e da TV em anúncios de apostas.

No Brasil, como se sabe, está em curso uma investigação envolvendo jogadores e árbitros de futebol acusados de “vender” resultados. Acho difícil que algum órgão de mídia aqui tenha a coragem do Guardian para recusar anúncios das “bet” da vida. Mas, se o governo federal conseguir, como está tentando, cobrar os devidos impostos, já estaremos no lucro.

Tudo isso me faz lembrar os primeiros anos da revista HOME THEATER, no final do século passado, quando tomamos a decisão de não aceitar anúncios de empresas que praticavam contrabando de eletrônicos. A tentação era grande, pelos valores envolvidos, e cheguei a ser chamado de “louco” por bater o pé. Contrabando, pirataria, apostas eletrônicas, estímulo à dependência… no fundo tudo faz parte do mesmo – desculpem a redundância – jogo. Cartão vermelho para todos eles!

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