Você já deve saber: Google, Facebook, Twitter, Netflix e quase todas as big techs desenvolveram sistemas de atendimento automatizado que, com frequência cada vez maior, costumam deixar o cliente na mão. Não é só no Brasil – essas companhias são globais, replicam suas práticas (as boas e as ruins) por todo o planeta. Na obsessão pelo corte de custos, não hesitam em cortar gente, pessoas, que com um bom treinamento poderia deixar os clientes mais satisfeitos.

Aconteceu comigo algumas vezes em que precisei resolver questões relacionadas a assinaturas. Como no caso de bancos, operadoras de telefonia/banda larga, planos de saúde e cartões de crédito, o atendimento foi reduzido a máquinas… irritantes máquinas! Até os serviços de chat foram robotizados, contrariando o próprio conceito de chat. Ficam repetindo respostas pré-elaboradas até que o pobre usuário desista. Nessa toada, um mero problema de configuração do Gmail, por exemplo, pode se transformar numa grande dor de cabeça.

A gota d’água veio na semana retrasada, quando recebi do Facebook a seguinte mensagem: “Olá, removemos e desabilitamos o acesso ao seguinte conteúdo que você postou no Facebook por violar nossos Termos de Serviço. Não permitimos postagem de conteúdos fraudulentos, mal intencionados ou que violem a lei. Se algo que você postar no futuro infringir nossos Termos de Serviço, sua conta poderá ser temporariamente restringida ou permanentemente bloqueada. Se você acha que houve algum erro, pode submeter recurso preenchendo esta ficha...”

A tal ficha pedia, além de meus dados pessoais, que eu explicasse por que fiz a tal postagem, sendo que foram várias delas nos dias anteriores. Como saber qual aquela que tanto irritou mr. Zuckerberg e seus asseclas? Com quem poderia eu falar para esclarecer? Nada. O caminho indicado era apenas um, e caía sempre na mesma tela, sem qualquer vestígio de algo parecido com um “atendimento ao cliente”.
3 bilhões de usuários: 1% = 30 milhões

Conversando com amigos, descobri que também tinham sido censurados, num clima de Josef K., o famoso personagem de “O Processo”, de Franz Kafka, aquele que é preso e condenado sem saber por quê. E, pesquisando na web, notei que o problema é mais amplo do que parecia. Faz parte da política das big techs não investir no atendimento pessoal. Como têm milhões de clientes (Gmail, por exemplo, conta hoje com mais de 1,5 bilhão de usuários), problemas eventuais devem ser desconsiderados pelos funcionários, que precisam se concentrar em coisas mais importantes…

Mesmo sabendo que o Facebook tem quase 3 bilhões de usuários (dados de abril último) e que 1% desse universo representa 30 milhões de pessoas, a empresa determinou que todo o atendimento seja feito por máquinas, e não seres humanos. Segundo Gergely Orosz, que é desenvolvedor, trabalhou na Uber e na Microsoft e mantém um blog dedicado ao tema (vejam aqui), é tudo proposital.

Foi no seu blog que encontrei o anúncio acima, publicado no New York Times em janeiro de 2022. Dono de uma pequena agência de publicidade digital, Corey Newhouse bancou a irônica peça para questionar ao Google por que não estava sendo atendido para resolver um simples problema na configuração do Google Ads. Newhouse gastou seu dinheiro à tôa, porque nem assim a empresa lhe deu atenção.

Orosz foi fundo no assunto. Trabalhando na Uber, notou que somente 20% das queixas de clientes chegavam a ser analisadas pela equipe de Customer Care; e, mesmo assim, raros eram os casos em que alguém da equipe entrava em contato com o reclamante. Com o tempo, ele descobriu que ali vigorava um sistema identificado como Carrots & Sticks (“cenouras & paus”), também adotado em outras big techs.

Funcionários, esqueçam o cliente!

Cenoura, no caso, identifica as questões que costumam render recompensas aos funcionários, como prêmios, promoções e bônus por performance. Se você trabalha numa big tech, suas chances são maiores se apresentar ideias ou projetos que contribuam para aumentar o faturamento ou diminuir os custos; ou iniciativas que a chefia considere trazer business impact, ou seja, impacto positivo no negócio como um todo.

Nessa mentalidade, resolver um problema que afeta poucos clientes não se configura como “cenoura”, ou seja, você não será recompensado. Aí, desce o “pau”, que vem a ser o oposto da cenoura. Você, funcionário, irá perder prestígio e créditos na empresa se tomar atitudes que façam cair sua performance. Perder tempo tentando resolver um problema que só incomoda alguns poucos clientes é uma dessas atitudes. Caem as chances de você ser promovido, receber um bônus, e pode até ser motivo para sua demissão.

Na maioria das big techs, há duas atitudes que se enquadram no “pau”: não entregar o tal business impact desejado, algo que pode muito bem depender dos humores e interesses de seus chefes; e conduta antiprofissional em relação à empresa e a seus colegas.

Fica fácil entender, portanto, que quanto maior a empresa e mais alto o número de clientes, maior a probabilidade de que uma boa parte deles não tenha seus problemas resolvidos de forma adequada. Com base em suas pesquisas, Orosz destaca apenas duas exceções: Amazon e Apple, empresas em que a satisfação do usuário está no top da lista de prioridades dos funcionários – ambas também são questionadas, mas em menores proporções.

Exceções, portanto. Para a maioria das big techs, o cliente é o que menos importa.

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