Nunca antes neste país foi tão fácil criticar e denunciar. E os políticos, de longe a classe com piores índices de credibilidade, estão descobrindo, com auxílio da tecnologia, uma forma eficaz de rebater as críticas sem ter que, necessariamente, abandonar suas práticas, digamos, menos louváveis. De uns tempos para cá,  presidentes, ex-presidentes, ministros, governadores, prefeitos, parlamentares e seus respectivos grupos de apoio vêm terceirizando o trabalho de atacar seus críticos. E tem sido fácil conseguir mão de obra para isso.

As escolas de Jornalismo despejam na praça, todo ano, milhares de jovens dispostos a virtualmente quase tudo para entrar no mercado. Ao mesmo tempo, outros milhares de jornalistas já formados não conseguem mais emprego nos veículos tradicionais, seja por falta de competência (do próprio profissional ou das empresas), por arranjos políticos ou porque é de fato menor a necessidade de mão de obra na mídia em geral (este um fenômeno mundial). Há ainda aqueles que, já a caminho do fim da carreira, descobrem nos políticos, quem sabe, patrões melhores que os donos de empresas jornalísticas tradicionais. E se vendem miseravelmente, em troca de patrocínios, comissões, cargos em emissoras públicas e sabe-se lá mais o quê.

Como um exército em treinamento intensivo, esses profissionais têm missões a cumprir, frequentemente disfarçados de “blogueiros” ou “colunistas”. Depois que Barack Obama venceu e eleição americana, em 2008, utilizando espertamente as novas mídias, políticos do mundo inteiro constataram que não podiam mais desprezar essa arma. No Brasil, figuras como José Sarney, Paulo Maluf, Anthony Garotinho e ACM há anos mantinham suas redes de bajuladores, formadas por jornalistas pagos para disseminar informações a seu favor. Salvo engano, foi Sarney quem sistematizou a prática no campo digital, a partir de 2009, quando um de seus filhos conseguiu que a Justiça censurasse o jornal O Estado de S.Paulo. Com a repercussão ruim do episódio, o velho coronel montou sua rede de apoio. Em pouco tempo, surgiram na internet dezenas de blogs dedicados a, de um lado, divulgar notícias positivas sobre Sarney e seu grupo e, de outro, atacar o Estadão e outros veículos.

Hoje, a praga dos “laranjas digitais” está institucionalizada. Com a agravante de que, na internet, o anonimato é mais regra do que exceção, e plenamente aceito, já que não há leis para coibi-lo. E, curiosamente, o alvo mais frequente de agressões é a própria mídia. O sr. ministro foi pego de braços com um empreiteiro que financiou o partido? Não há problema: blogs e redes sociais são infestados de “notícias” para desviar o foco. O governador viajou no jatinho de uma empresa que executa obras no estado? É prá já: mostrem-se as “realizações” do homem e espalhem-se calúnias sobre o repórter autor da denúncia. O ex-presidente teve encontro secreto com um juiz e tentou chantageá-lo? Na mesma hora, informe-se ao distinto público que o jornal ou revista onde saiu a informação está comprometido com este ou aquele contraventor, ou tomou dinheiro emprestado deste ou daquele banco.

Os fatos, em si, perdem importância – valem mais suas versões digitais, instantaneamente replicadas. Trava-se um tipo de jornalismo de guerrilha, em que o publicado hoje pode ser tranquilamente deletado, ou “atualizado”, para não ser lido amanhã. Isso vale para meras insinuações, acusações sem prova, transcrição pura e simples de press-releases ou documentos vazados pelas partes interessadas, citação de estatísticas a esmo, sem esclarecer a fonte, confusão deliberada entre o público e o privado, distribuição de dossiês ou pesquisas de opinião encomendadas. Distorcem-se fatos históricos com a mesma sem-cerimônia com que se pirateiam textos, músicas e filmes. O nome técnico de tudo isso é “novas mídias”.

É nesse ritmo que se engalfinha hoje a imprensa brasileira, tomada de assalto (literalmente) pelos donos do poder. No passado, os chamados “barões da imprensa”  defendiam ou criticavam os governantes ao sabor dos ventos políticos. Chefões como Roberto Marinho, Assis Chateaubriand, Otavio Frias e Julio de Mesquita Neto, só para citar alguns, eram eles mesmos os portavozes daquilo que presidentes e governadores queriam ver publicado. E, quando não concordavam, isso ficava claro. Hoje, a imprensa virou uma espécie de laranjal a serviço daquela que certamente é a pior geração de políticos que já tivemos. Não é preciso mais ser dono de um jornal ou concessionário de uma emissora; basta um blog.

O consolo – se é que a palavra cabe – é que tudo isso faz parte do jogo democrático. Ainda não tivemos nenhum grande órgão de imprensa fechado, ou levado à falência, pelos governantes, como vem acontecendo, por exemplo, na Argentina e na Venezuela. Pequenos jornais do interior continuam sofrendo as pressões de sempre, e o número de jornalistas assassinados nos últimos meses só vem provar que a laranja é uma fruta cada vez mais perigosa. Em sites e blogs, nota-se que não falta quem deseje a volta da censura. Mas as artimanhas para calar a imprensa são praticadas na surdina, e esporádicas, pois ninguém tem coragem de defender abertamente essa ideia.

Melhor assim. Que cada um exerça sua liberdade de opinar e “denunciar”, quando for o caso, ainda que atuando como fantoche de políticos e até de criminosos. Se um advogado de prestígio pode defender nos tribunais um contraventor e ser pago com dinheiro advindo do crime, por que um jornalista não tem o direito de vender suas opiniões a bandidos tão repugnantes quanto? Cabe ao cidadão leitor, telespectador ou internauta cobrir-se de cuidados, mais ou menos como fazemos todos ao passar por uma rua escura. Desconfiar, sempre, daquilo que se ouve e se lê; procurar fontes diversas para se atualizar sobre cada assunto; comparar opiniões divergentes. Não é fácil hoje em dia, com a overdose de informações a que somos submetidos. Mas é a única maneira de não se perder no laranjal.

Feliz ou infelizmente, o velho adágio cabe bem à mídia atual: o preço da liberdade é a eterna vigilância.

2 thoughts on “No reino das laranjas podres

  1. Obrigado, Michel. Infelizmente, há muito disso no país. O pior é que o sujeito ainda faz pose de honesto. Abs. Orlando.

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