SOS Cultura

Jotabê Medeiros

A exemplo das montadoras de automóveis, seguradoras e dos bancos americanos, socorridos pelo seu governo, o Ministério da Cultura brasileiro está trabalhando num pacote anticrise, tentando amenizar o impacto da turbulência econômica na cultura nacional. A notícia do pacote anticrise foi adiantada ao Estado por Alfredo Manevy, ministro interino da Cultura, que esteve em São Paulo esta semana para anúncio dos investimentos de um instituto cultural (o ministro Juca Ferreira está fora do País).

“A gente está preparando isso. Um pacote de medidas, no campo cultural, que tenha um efeito anticíclico em relação à economia. Incluirá reformas de espaços culturais, que geram construção civil, ampliação do parque exibidor cinematográfico e tudo o que for apresentado e gerar um impacto na economia, com interface no campo cultural. O presidente Lula já sinalizou que está disposto a incorporar o investimento estratégico este ano. E a gente está preparando o pacote”, disse Manevy.

O sistema de financiamento da cultura no País está perto da asfixia. A Lei Rouanet, maior mecanismo de fomento federal, enfrenta desistências de patrocinadores importantes desde o final do ano passado. A verba investida decorre de renúncia fiscal – ou seja: as empresas usam dinheiro do seu Imposto de Renda que seria pago à Receita Federal. Mas, para ter dinheiro no caixa em tempos incertos, patrocinadores importantes estão cancelando compromissos pré-agendados com produtores culturais.

“Já é sabido, desde o fim do ano passado, que as empresas, sem capital de giro, ou para manter liquidez (mesmo não precisando botar a mão no bolso, porque é renúncia fiscal), mesmo assim estão cortando patrocínios que já estavam anunciados”, admitiu Manevy. “Então, a expectativa do ministério é conclamar as empresas para confirmarem seu compromisso com a cultura num momento de crise, porque num momento de bonança é tranquilo. O patrimônio simbólico que os artistas e produtores culturais passam para as empresas é enorme. As marcas, a visibilidade. Num momento de crise, é momento de as empresas afirmarem esse compromisso.”

O cenário é desanimador. A maior estatal em investimentos culturais, a Petrobrás, está retirando verbas de patrocínios (para festivais de teatro e até para escolas de samba, como a Viradouro, que perdeu R$ 7 milhões). Outras estatais estão cautelosas – estão entre as seis maiores patrocinadoras do País (Petrobrás, Banco do Brasil e Eletrobrás), que representam quase 40% do total das 500 maiores empresas brasileiras.

Governos municipais, como o de São Paulo, contingenciam verbas para a área, comprometendo programas (a verba para a Virada Cultural, este ano, foi cortada em 30%). No governo estadual, o orçamento da Secretaria de Estado da Cultura será um pouco menor este ano, R$ 534 milhões, ante R$ 540 milhões em 2008.

Outro problema que pode agravar tudo é o próprio orçamento do Ministério da Cultura, que foi contingenciado (teve recursos retidos) em cerca de 75%, a exemplo de todos os ministérios federais. Se for efetivamente cortado o orçamento direto, que tinha crescido cerca de 20% em relação a 2008 (foi destinado R$ 1,2 bilhão ao MinC), o ministério perderá a capacidade de fazer investimentos este ano.

O Ministério acha que a medida ainda não atingiu projetos e programas da pasta. “No começo do ano, os ministérios ainda não estão executando. Então essa liberação, na verdade, vai permitir que os projetos tal como estão desenhados sejam executados: o Mais Cultura, os editais, todos com os cronogramas tal como foram desenhados. A gente não sentiu ainda o impacto no nosso orçamento.”

A cautela não inibiu ainda todos os grandes patrocinadores que se utilizam da Lei Rouanet. No início desta semana, o Itaú Cultural informou que vai investir cerca de R$ 40 milhões em 2009, ante R$ 37,5 milhões no ano passado. “Temos mantido um crescimento progressivo do investimento, usando sempre o princípio da contrapartida – ou seja: não é só dinheiro da lei, mas também dinheiro do banco”, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.

Segundo Manevy, há uma retração sensível na área, que ainda não é sentida em estatísticas mas é diariamente levada ao governo por produtores e artistas. Ele aposta no pacote para inverter a tendência. “Se esse pacote impactar na geração de empregos e ocupação das áreas que são delicadas, o governo será plenamente favorável. A crise também é uma oportunidade. Se o Brasil investir em educação e cultura nesse momento, a oportunidade de sair reposicionado da crise é maior, em termos de capacitação, treinamento, capacidade de lidar com problemas da contemporaneidade, é investimento estratégico. E o governo reconhece que isso é relevante. Tanto que o orçamento do ministério tem crescido significativamente”.

Manevy diz que não é possível medir ainda o tamanho da crise na cultura, e que isso só será possível “mais pelo meio do ano”, prevê. “Mas é notório, pelo que nos chega por meio das conversas, da maneira como os produtores passam a procurar o Ministério com projetos que estavam predefinidos com patrocinadores e não vão mais ser patrocinados. Então a gente está se mobilizando com as estatais, com o setor privado, para que mantenham o compromisso. Não faz sentido tirar da cultura porque não vai impactar efetivamente as contas das empresas.”

Depoimento

“O impacto econômico na nossa profissão é permanente. Não é área que disponha de sistema de financiamento perene, não tem sistema sustentável, não há essa filosofia. Temos imenso público consumidor potencial, mas que não está preparado para consumir cultura. A crise é conjunto de fatores. Nosso esforço sempre é criar a obra e também seu consumidor. Se o País investisse em Educação, estaríamos em outro patamar. Não estamos piores do que sempre estivemos. O mundo está mudando, e talvez seja a hora de adotar nova postura, de se reposicionar.”   ESTHER GÓES, ATRIZ

*Publicado em 02/03/09