Será que a TV 3D é pra valer?

Por Amy Chozick

O famoso programa Wheel of Fortune, sucesso na TV americana desde 1983, não é exatamente um ‘Avatar’ em termos de complexidade técnica. No entanto, o produtor Harry Friedman diz que quer fazê-lo em 3D. Numa edição recente, a apresentadora Pat Sajak saiu de dentro da tela! Uma câmera que deslizava pelo cenário, réplica da cidade de San Francisco, fez as velhas casas vitorianas da cidade parecerem pedaços de um livro de montar. “Logo estaremos gravando todas as nossas cenas externas em 3D”, promete Friedman.

Pegando carona nos estúdios de cinema, que vêm faturando alto com suas superproduções em 3D (como Toy Story 3 e Alice no País das Maravilhas), as emissoras dos EUA apostam que os telespectadores vão estar ávidos para assistir versões mais realistas de seus atletas favoritos, assim como de animais selvagens e até mesmo comédias e seriados.

No início de junho, a ESPN lançou seu canal 3D transmitindo 25 jogos da Copa do Mundo. E promete exibir cerca de 100 eventos esportivos em 3D a partir de 2011. A Turner Sports e a Nascar também cobrirão em 3D a prova Coke Zero 400. Fox Sports e DirecTV anunciam a transmissão do All-Star Game da liga americana de beisebol. “Talvez os próximos convites para festas do Super Bowl venham com a sigla BYOG (Bring Your Own Glasses, ou “Traga Seus Próprios Óculos”)”, brinca o vice-presidente da ESPN, Chuck Pagano.

Ainda em julho, DirecTV e Panasonic lançarão em parceria canais 3D voltados a filmes, shows e esportes. No ano que vem, Discovery, Sony e IMAX prometem iniciar uma programação 3D 24 horas por dia, com filmes, documentários e outras atrações. A operadora pensa ainda em transmitir séries de documentários como Man vs. Wild e The Haunted, sobre atividades paranormais, além de filmes exibidos nos cinemas IMAX, como Hubble.

Tudo isso pode gerar uma transformação tão grande quanto foi a do videocassete, nos anos 70 – ou talvez apenas uma nota de rodapé nos jornais, como foi a fita de oito pistas… A televisão não pode contar com a audiência cativa de um filme de duas horas, como o cinema, nem com suas fantásticas técnicas visuais. Os telespectadores muitas vezes estão assistindo enquanto abrem suas cartas, verificam suas contas, almoçam ou jantam. Usar um desconfortável óculos de 150 dólares e ficar sentado bem no meio da sala, totalmente de frente para o TV, são atitudes que podem simplesmente estragar o prazer de ver televisão.

A bem da verdade, a atual oferta de conteúdos em 3D já é maior do que aquela que existia em alta definição nos primeiros dias da HDTV, em parte porque os fabricantes de TVs estão formando parcerias com as emissoras e operadoras de cabo para investir em canais 3D. “Aprendemos com a HDTV que não podemos deixar o público sem opções para ver”, diz Peter Fannon, vice-presidente da Panasonic. “Achamos que a TV 3D pode pegar muito mais rápido”.

O primeiro passo para o sucesso é a queda de preço dos televisores. Na faixa dos 2.000 dólares, eles ainda são muito caros – a não ser para os early-adopters, que compram tudo que aparece. Embora a rede Best Buy tenha vendido todos os 11 mil aparelhos da Panasonic que colocou à venda, apenas em um mês. A Sony contratou os astros Peyton Manning e Justin Timberlake para divulgar seus TVs 3D, e a Samsung encheu a televisão de anúncios com jogadores de futebol durante a Copa do Mundo.

Em 2010, menos de 2% dos 114 milhões de lares americanos terão um TV 3D; esse número deve dobrar em 2011, de acordo com a Consumer Electronics Association. Dos cerca de 38 milhões de TVs que serão vendidos no País este ano, somente 1,05 milhão será 3D. E até 2017 serão comercializados 27 milhões deles por ano, diz a empresa de pesquisas iSuppli. Mas nada disso será comprado pelos consumidores se as emissoras não criarem programas que valorizem a tecnologia, da mesma maneira que os desenhos animados e os filmes de ficção científica têm feito nos cinemas. “Para ver o jornal da noite ou duas pessoas tomando vinho num filme francês, o 3D não faz a menor diferença”, compara o diretor da IMAX, Richard Gelfond.

Até o momento, algumas empresas acham que têm mais a ganhar do que outras. Produtoras de esportes e documentários estão explorando a tecnologia 3D, assim como operadoras de TV paga que enxergam potencial para cobrar mais dos assinantes, incluindo filmes e eventos especiais em pay-per-view. Já as grandes redes tradicionais, que produzem comédias, novelas, seriados e reality shows, estão mais reticentes. Produzir em 3D significaria dobrar os custos, num momento de queda nas receitas publicitárias. Além disso, muitos programas foram recentemente convertidos para HD, o que implicou em altos investimentos. “Não sei se o 3D será economicamente viável num futuro próximo”, diz o diretor da rede CBS, Leslie Moonves.

“O fato de podermos fazer não significa que o público quer ver”, analisa Alan Wurtzel, diretor da NBC Universal. Ele compara o 3D a outros fracassos tecnológicos, como TV no carro e TV no fogão (aparelho que permitia às donas-de-casa assistirem enquanto cozinhavam). Hoje, quem possui um TV 3D tem opções de conteúdo modestas. Esportes são considerados um conteúdo ideal, mas quais modalidades exatamente irão funcionar quando levadas ao ar? O torneio Masters de Golfe realizado em abril último foi transmitido em 3D para assinantes de algumas operadoras, com relativo sucesso devido às belas paisagens. O verde da grama e das árvores, que aparece chapado num TV convencional, mostra todas as suas ondulações em 3D.

Os produtores estão aprendendo que alguns esportes se saem melhor. Closes funcionam, tomadas panorâmicas nem tanto. Os estádios não foram construídos tendo em mente a TV 3D. Por isso, o pessoal da ESPN talvez precise comprar assentos e criar ângulos de visão diferentes (por exemplo, no nível do chão) especialmente para fãs de futebol e beisebol. O enquadramento-padrão de um campo de futebol pode sair distorcido, assim como uma tomada a distância numa savana da África. “Vamos precisar desaprender os últimos 50 anos da televisão”, ironiza Pagano.

Documentários sobre a natureza também dependem de certas condições. Filmagens aquáticas funcionam bem porque os movimentos geralmente são lentos e há muitos closes. Já a perseguição de um lince a uma gazela pelo Parque Serengeti pode ser mais problemática: tomadas de longe tendem a sair chapadas, e se forem em alta velocidade tornam-se borrões. Filmar animais tímidos com uma enorme câmera 3D também não é tarefa das mais fáceis.

A Discovery informa que ainda não está preparada para produzir em 3D seu popular programa Deadliest Catch, sobre pescadores que desafiam o perigo. Movimentos muito rápidos em 3D podem provocar tonturas, e águas turbulentas podem fazer a equipe perder uma dúzia de câmeras a cada temporada. Um bom motivo para nem começar a tentar.

Como aconteceu na época do videotape, a indústria da pornografia está mergulhando de cabeça nas produções em 3D. Já existe uma paródia de Avatar produzida pela empresa Hustler, especializada em filmes para adultos. Mas, na televisão convencional, os produtores ainda se perguntam como fazer. A maioria acha que, se as primeiras atrações forem bem aceitas, o público – que pagou caro pelo TV – irá sentir-se mais motivado. “Não vai ser como nos anos 50, quando saía uma mão da tela para pegar o telespectador”, explica Tom Cosgrove, diretor do canal Discovery-Sony-IMAX. “Queremos lançar quando o efeito 3D der maior riqueza aos programas e trouxer o público para mais perto da experiência”.

No ano passado, quando a rede NBC quis promover o seriado Chuck no horário nobre, na noite seguinte à final do campeonato de futebol americano, exibiu o episódio em 3D. Beneficiou-se do fato de terem sido distribuídos cerca de 125 milhões de óculos 3D nos cinemas de todo o País, nas sessões do desenho animado Monstros vs. Alienígenas. Foi a mais alta audiência da temporada, especialmente entre os jovens.

Mas ainda é muito cedo para afirmar se a sala-de-estar está se acomodando para se tornar uma zona 3D. Além do problema de ter que usar óculos escuros dentro de casa, eles ainda custam 150 dólares o par e só funcionam com uma determinada marca de TV. Os fabricantes dizem, baseados em pesquisas, que o consumidor não se incomoda em usar os tais óculos. E garantem que, conforme a tecnologia for se popularizando, não apenas os óculos irão funcionar com qualquer marca de TV, como os oftalmologistas darão receitas para que o usuário mande fazer seus próprios óculos; e os designers de moda irão criar modelos high-end, com marcas de grife. “Se lançarem um óculos Chanel 3D, muita gente vai querer ter vários”, diz Fannon, da Panasonic.

E o quê dizer dos telejornais? Um peruca 3D atrás da apresentadora não parece algo muito atraente, mas Buzz Hayes, instrutor do centro de tecnologia 3D da Sony, diz que tudo pode funcionar. “Produtores e consumidores só terão que se acostumar”. Ele admite que não seria legal para o telespectador ver figuras gigantescas saindo de sua tela. “Mas imagine a cobertura de uma frente de guerra em 3D: seriam imagens poderosas”.

Clique para ver o slideshow com a história da tecnologia 3D. E veja também o hot site TV 3D http://revistahometheater.uol.com.br/hotsites/3d/.

Artigo publicado no The Wall Street Journal © em 25/06/2010